Cannabis: recurso genético potencial para a nova era industrial

* Por Rodrigo Nicolao | 23 de março de 2021

A Cannabis é uma planta conhecida popularmente por cânhamo, maconha, ganja, manga rosa, entre outros nomes. É uma planta originaria da Ásia, domesticada pelas sociedades humanas mais de 12.000 anos atrás, considerada uma das plantas maiss antigas a ser utilizada pela humanidade, quando para fins não-alimentícios, mas principalmente recreacional, espiritual, religioso e medicinal.

Cannabis é o nome botânico do gênero pertencente à família Cannabaceae, qual inclui o lúpulo (Humulus lupulus L.), e é composta por três espécies: C. sativa, C. indica e C. ruderalis. A Cannabis é uma planta dióica, ou seja, as estruturas reprodutivas feminina e masculina são formadas em plantas diferentes, embora algumas variedades utilizadas nos programas de melhoramento genético podem ser monóicas. Porém, devido à ausência de barreiras de hibridação e a capacidade das espécies intercruzar-se, sugere-se então o reconhecimento de uma única espécie de Cannabis, a C. sativa.

O caule da planta de Cannabis apresenta fibras altamente resistente à tração e à deterioração. Durante milênios foi utilizada predominantemente como fonte de fibra para a produção de cordas, mas também na indústria têxtil e papeleira, e em termoplásticos de fibra para a fabricação de automóveis.

As sementes (aquênios) são fontes de óleos e aminoácidos essenciais, exceto a lisina, quais são prontamente disponíveis, e contém ótima relação de ácidos graxos poliinsaturados omega-6/omega-3. As sementes são amplamente utilizadas tanto para o consumo humano quanto para os animais, e para a produção de cosméticos e biocombustíveis.

As flores são fontes principais de canabinóides para a indústria de fármacos e a manipulação produtos medicinais.

A principal característica das plantas de Cannabis é a produção de compostos metabólitos secundários conhecidos por ‘canabinóides’, ou mais especificamente ‘fitocanabinóides’. Atualmente já foram identificados mais de 100 diferentes compostos fitocanabinóides, quais são produzidos predominantemente nos tricomas das inflorescências de plantas femininas de Cannabis. Contudo, as variedades ou os ‘tipos’ de Cannabis se diferem em suas quantidades absolutas e relativas de dois principais fitocanabinóides terpenofenólicos, o THC (Δ1 -tetrahydrocannabinol) qual é um composto psicoativo, e o CBD (canabidiol) qual é um composto não psicoativo.

Segundo a lei dos Estados Unidos da América, por exemplo, as definições para a Cannabis são claras. As partes diferentes da planta de Cannabis podem ser definidas como cânhamo e outras como maconha, já a semente pode ser atribuída a qualquer uma das definições. A lei dos EUA define como cânhamo o talo, caule e sementes esterilizadas da Cannabis sativa, e a maconha são as folhas, flores e sementes viáveis de Cannabis sativa.

Chamamos de “cânhamo” as variedades de Cannabis que apresentam concentrações de THC 0,3% ou menos, e que são destinadas a produção de fibras e sementes, e de “maconha” aquelas variedades concentrações de THC superiores a 0,3%. Algumas variedades de cânhamo têm níveis mais elevados do composto CBD, que também é medicinal e não apresenta propriedades psicoativas.

É possível notar que nos últimos anos tem ocorrido uma aceitação pública crescente quanto a aplicação medicinal e terapêutica da Cannabis, muito proeminente em diversos estados dos EUA, e alguns países como a Austrália, Canadá, Israel e Uruguai. Isso levou uma série de reformas nas legislaturas políticas e jurídicas, e sugere não apenas uma demanda renovada do consumidor de produtos relacionados à Cannabis, mas também a necessidade em produzir novas variedades de Cannabis para fins específicos.

O germoplasma de Cannabis mostra que existe uma ampla variabilidade para o conteúdo de óleo, tipo de canabinóide (CBD/THC, e outros), e quanto a composição do xilema (caule). Por exemplo, O Instituto N. I. Vavilov de Indústria Vegetal (VIR) em São Petersburgo, Rússia, é o maior banco de sementes de Cannabis existente no mundo e abriga uma coleção inestimável de mais de 400.000 acessos de sementes.

Com a popularização das ferramentas da biologia molecular a exemplo das técnicas de sequenciamento genético, associado as caracterizações morfológicas e análises de perfil químico, é possível caracterizar de forma precisa todo o germoplasma de Cannabis disponível. Desta forma, a exploração e a caracterização da diversidade de Cannabis é uma etapa fundamental para a construção de uma coleção de Cannabis bem caracterizada e disponível para o desenvolvimento de novas cultivares de Cannabis com finalidade de uso específico.

O germoplasma de Cannabis é bastante diversificado, o que possibilita a seleção de características de interesse para o desenvolvimento de variedades com diferentes aptidões. Com isso é possível a criação de uma coleção de plantas de Cannabis selecionadas e melhoradas para fins específicos como industriais (plantas com perfil químico < 0,3% de THC, voltadas a alta produção de fibras e óleos provindos de sementes), ou medicinais e terapêuticos (conteúdo de metabólitos secundários como o CBD e THC superior a 0,3%).

* Rodrigo Nicolao é Engenheiro Agrônomo formado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Técnico em Agropecuária pelo Instituto Federal Catarinense (IFC). É mestrando em Agronomia, com ênfase em Fitomelhoramento (UFPel/Embrapa Clima Temperado)

Referências de apoio:

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Clarke, R., and Merlin, M. (2013). Cannabis: Evolution and Ethnobotany. Los Angeles, CA: University of California Press.

Schuermeyer, J., Salomonsen-Sautel, S., Price, R. K., Balan, S., Thurstone, C., Min, S.-J., et al. (2014). Temporal trends in marijuana attitudes, availability and use in Colorado compared to non-medical marijuana states: 2003–11. Drug Alcohol Depend. 140, 145–155. doi: 10.1016/j.drugalcdep.2014.04.016

Pardo, B. (2014). Cannabis policy reforms in the Americas: a comparative analysis of Colorado, Washington, and Uruguay. Int. J. Drug Policy 25, 727–735. doi: 10.1016/j.drugpo.2014.05.010

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