Guia de importação de produtos medicinais derivados da Cannabis

Por Agatha Cardoso | 15 de maio de 2023

Esse conteúdo faz parte da série “Cannabis: Conhecimentos Científicos made in Brazil”, em que o site Green Science Times reproduzirá artigos técnicos e científicos, produzidos por especialistas que compõem o Grupo de Trabalho Farmacêutico da Associação Brasileira das Indústrias de Cannabis (ABICANN).

Nos créditos, acima e no final da página, será possível que você conheça um pouco mais sobre os perfis destas e destes profissionais, que contribuem para orientação de interessados em pesquisas, ciências, saúde e inovações com a planta Cannabis sativa. Acompanhe o artigo desta edição.

Autores: Tiago Cícero Amorim Castro e Ana Paula dos Santos.

Coordenação: Fábio de Oliveira Costa Junior.

  1. Introdução

Todas as mercadorias sujeitas à vigilância sanitária destinadas ao comércio, antes de serem importadas, devem ter prévia anuência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), sejam elas destinadas ao consumo direto (importação por pessoa física) ou destinadas ao importador. A importação de medicamentos é um processo robusto, que não envolve apenas um contato com um fornecedor de outro país, mas uma série de particularidades, como rigorosos controles e fiscalizações de diversos órgãos, o cumprimento de exigências legais e controles ambientais visando manter a qualidade final do produto a ser utilizado.

Em alguns países já estão disponíveis para a comercialização medicamentos à base de Cannabis em diversas formas, além dos insumos para a produção de medicamentos.

A tabela abaixo apresenta alguns medicamentos disponíveis a nível mundial:

MedicamentoForma farmacêuticaIndicação terapêuticaPaís
Bedrocan®Vaporização, óleo, chá.Náusea, vômito, anorexia, glaucoma.Canadá, Holanda, Alemanha, Itália, Finlândia.
Bedrobinol®Vaporização, óleo, chá.Náusea, vômito, anorexia, glaucoma.Canadá, Holanda, Alemanha, Itália, Finlândia.
Bedica®Vaporização, óleo, chá.Náusea, vômito, anorexia, glaucoma.Canadá, Holanda, Alemanha, Itália, Finlândia.
Bediol®Vaporização, óleo, chá.Dores neuropáticas e inflamatórias, epilepsias.Canadá, Holanda, Alemanha, Itália, Finlândia.
Bedrolite®Vaporização, óleo, chá.Dores neuropáticas e inflamatórias, epilepsias.Canadá, Holanda, Alemanha, Itália, Finlândia.
Cannimed®Vaporização, óleo.Dores inflamatórias.Canadá.
Sativex®Spray oralDores oncológicas, neuropáticas e inflamatórias, espasticidade na esclerose múltiplaReino Unido, Portugal.
Syndros®Cápsula (uso oral)Náusea, vômito, estimulante do apetite, anorexia relacionada ao HIV (Human Immunodeficiency Virus).Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, Alemanha, África do Sul, Portugal.
Marinol®Cápsula(uso oral)Náusea, vômito, estimulante do apetite, anorexia relacionada ao HIV (Human Immunodeficiency Virus).Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, Alemanha, África do Sul, Portugal.
Cesamet®Cápsula (via oral)Náuseas e vômitos associados a quimioterapia.Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Austrália, Reino Unido e Portugal.

O medicamento Epilodex® está disponível em estudos clínicos multicêntricos em fase III, na forma farmacêutica de solução oral para epilepsias raras de difícil controle (ex: Síndrome de Lennox-Gastaut e Dravest) (CARVALHO, 2017; CARNEIRO; MORGADINHO, 2019).

No Brasil, a importação de algumas formas farmacêuticas está vedada pela RDC 327/2019, bem como a importação da planta e suas partes. Contudo, há uma demanda crescente nos pedidos de importação de produtos derivados de Cannabis. Segundo dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, em 2015 houve 896 pedidos de importação. Já em 2020, a quantidade de pedidos de importação subiu para acima de 19.000, um aumento de 2400% em seis anos.

Esse aumento de pedidos gera também um aumento na demora da liberação dos produtos. Para sanar parte do problema, foi aprovada em outubro de 2021 a RDC 570, que simplifica e facilita o processo de importação de produtos a base de Cannabis já apresentado inicialmente na RDC 335 de 2020.

Neste guia trataremos dos trâmites de importação de Produtos medicinais derivados da Canabis por pessoa física e pessoa jurídica.

  1. O processo de importação de medicamentos

Pessoa Física

A primeira resolução aprovada para importação de produtos medicinais derivados de Cannabis para pessoa física foi a Resolução da Diretoria Colegiada 335 de 24 de janeiro de 2020. Esta resolução foi revogada em 2022,  sendo posteriormente substituída pela Resolução da Diretoria Colegiada 660 de 30 de março de 2022 que permite a importação de produtos derivados da Cannabis para tratamento de saúde, desde que seja para uso próprio mediante prescrição de profissional legalmente habilitado. 

Além do próprio usuário, a importação poderá ser realizada:

  • Por responsável legal do paciente;
  • Por procurador legalmente constituído;
  • Intermediada por entidade hospitalar para o atendimento exclusivo ao paciente;
  • Intermediada por unidade governamental ligada à área da saúde para o atendimento exclusivo ao paciente;
  • Intermediada por operadora de plano de saúde para o atendimento exclusivo ao paciente.

Antes de iniciar a importação dos produtos o paciente, responsável legal ou procurador deve se cadastrar no site da Anvisa para solicitação de importação excepcional de produtos à base de Cannabis, e sendo o cadastro aprovado pode ser iniciado o processo de importação dos produtos.

A aprovação do cadastro ocorre de forma simplificada no caso de solicitação de produtos constantes em nota técnica disponibilizada pela Anvisa cujas atualizações são mantidas no site da agência.

A Agência de Vigilância Sanitária em sua RDC 660/2022 ressalta que os produtos devem estar devidamente regularizados pelas autoridades competentes em seus países de origem para as atividades de produção, distribuição ou comercialização.

Para realização deste cadastro o paciente deve entrar no link: https://www.gov.br/pt-br/servicos/solicitar-autorizacao-para-importacao-excepcional-de-produtos-a-base-de-canabidiol e clicar no botão iniciar. Este botão direciona automaticamente para página de login do governo federal (figura 01).

O preenchimento do formulário é rápido e requer:

  • As informações pessoais do paciente.
  • Cadastro do medicamento: empresa que fabrica o medicamento, nome comercial (se houver) composição e outros dados de interesse do paciente. 
  • Prescrição médica (formato digital).

Observações importantes sobre a prescrição: 

  1. A prescrição deve ser emitida, preferencialmente, por meio eletrônico, subscrita por profissional legalmente habilitado com assinatura eletrônica que utilize certificado digital no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, instituído pela Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001. 
  2. A prescrição poderá ser feita por meio físico caso o profissional prescritor legalmente habilitado não possua certificação digital para emissão da prescrição eletrônica disposta no §3º deste artigo. 
  3. A prescrição terá validade de 6 (seis) meses, contados a partir da data de sua emissão. 
  • Dados relativos ao prescritor (nome, número de inscrição no conselho de classe, especialidade, Estado da Federação, Munícipio, telefone fixo, telefone celular, e-mail para contato).
Interface gráfica do usuário, Texto, Aplicativo, Email

Descrição gerada automaticamente
Figura 1 – Botão iniciar (acesso em 15/02/2022 às 22:22)
Figura 2 – Dados solicitante (Acesso em 15/02/2022 às 22:30)
Figura 3 – Dados do solicitante e paciente (Acesso em 15/02/2022 às 22:40)
Figura 4 – Dados do produto e prescritor (Acesso em 15/02/2022 às 22:50)
Figura 5 – Declaração (Acesso em 15/02/2022 às 23:01)

Este cadastro é válido por 2 anos após o deferimento, e deve ser atualizado em caso de alteração da prescrição.

Somente após o deferimento do cadastro pela Anvisa será permitida a importação dos produtos, que após a RDC 570 de 6 de outubro de 2021 informa que ocorrerá de forma automática, esta adequação da agência sanitária se deu para que houvesse mais agilidade ao processo de importação.

Esta importação pode ser realizada da seguinte forma:

  • Importação formal: Quando é realizada por meio do registro em sistema informatizado (Siscomex). Neste caso se dá por meio de uma empresa quer irá intermediar todo o processo em nome da pessoa física.

Observação: De acordo com a RFB 1984, de 27 de outubro de 2020, as pessoas físicas que atuem em seu próprio nome estão dispensadas de realizar o cadastro no Sistema de Comércio Exterior;

  • Por bagagem acompanhada:
  • Por remessa expressa: Quando envio é realizado por meio de empresa denominada Courrier;

Em qualquer que seja opção escolhida, o produto deve ser submetido a fiscalização sanitária a fim de verificar se os requisitos informados no formulário estão sendo adequadamente cumpridos.

Por não passar pela fiscalização sanitária, a remessa expressa de produtos derivados da Cannabis é vedada pela Resolução da Diretoria Colegiada 335/2020.

De acordo com a RDC 570/2021, as importações de produtos à base de Cannabis estão sujeitas à fiscalização pela autoridade sanitária em portos, aeroportos, fronteiras e recintos alfandegados antes de seu desembaraço aduaneiro, sendo necessária a apresentação dos seguintes documentos a cada importação:

  • Formulário de petição;
  • Conhecimento da carga embarcada;
  • Fatura comercial (Invoice);
  • Prescrição do produto, nos termos da resolução;
  • Comprovante de endereço do paciente.

Na importação por meio de bagagem acompanhada estão dispensados os documentos:

  •  Formulário de Petição;
  • Conhecimento da carga embarcada;
  • Fatura comercial (Invoice);

Entretanto, a autorização de importação dos produtos, bem como a prescrição, será avaliada pelas autoridades sanitárias nos portos, aeroportos, fronteiras e recintos alfandegados. 

Quando a importação for realizada por procurador Pessoa Jurídica a legislação é bem clara em seu artigo 15º e 16º: É vedada a alteração de finalidade desta importação, sendo o uso do produto importado estritamente pessoal e intransferível e proibida a sua entrega a terceiros, doação, venda ou qualquer outra utilização diferente da indicada. Portanto É dever do importador observar e cumprir as disposições legais quanto à proibição de comercialização, entrega a terceiros ou venda dos produtos importados. 

  1. Pessoa Jurídica

A RDC 327/2019 informa que é permitida a importação de produtos da Cannabis desde que seja o insumo farmacêutico nas formas de derivado vegetal, fitofármaco, a granel ou produto industrializado. Além desses produtos a Anvisa autoriza importar derivado vegetal de cannabis para obtenção de Canabidiol isolado, sendo assim a agência reguladora pode possibilitar a extração do princípio ativo (Canabidiol) em território nacional.

Para iniciar as atividades de importação, é necessário que empresa seja legalmente constituída em território nacional e atenda alguns requisitos, como os descritos a seguir.

  1. Documentos Legais

Para iniciar as atividades de importação de produtos derivados da Cannabis, as pessoas jurídicas devem estar legalmente constituídas no Brasil, sejam elas de direto público ou privado. 

Após constituída, é necessário a autorização de importação de produtos sujeitos junto a vigilância sanitária, desde que esteja regularizado formalmente perante o sistema de Vigilância Sanitária, no tocante a obrigação que lhe couber. Atualmente é necessário que empresa possua Alvará Sanitário expedido pelo Munícipio de sua Jurisdição e/ou Estado ou Distrito Federal quando aplicável. 

A pessoa jurídica deve possuir ainda Autorização de Funcionamento (AFE) emitida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, para importação de medicamentos e Autorização Especial (AE), para importação de medicamentos sujeitos ao controle especial, de acordo com os critérios da RDC 16 de 1º de abril de 2014.

Para as empresas que atuam na área de Cannabis medicinal, a RDC 327 de 09 de dezembro de 2019 interpõe as seguintes obrigações:

  • Certificado de Boas Práticas de Fabricação (CBPF) de Medicamentos para a empresa fabricante do produto;
  • Boas Práticas de Distribuição e Armazenamento de medicamentos, para importadores de medicamentos;

Observação: Embora não seja mencionado na legislação, pode ser exigido do importador o certificado de Boas Práticas de Armazenamento para insumos utilizados na fabricação de produtos à base de Cannabis com fins medicinais;

  • Racional técnico e científico que justifique a formulação do produto de Cannabis e a via de administração;
  • Documentação técnica da qualidade do produto;
  • Condições operacionais para realizar as análises do controle de qualidade em território brasileiro;
  • Capacidade para receber e tratar as notificações de efeitos adversos e queixas técnicas sobre o produto; 
  • Conhecimento da concentração dos principais Canabinoides presentes na formulação, dentre eles, minimamente, CBD e THC e ser capaz de justificar o desenvolvimento do produto de Cannabis, seja ele fitoterápico ou fitofármaco;

Observação importante: As licenças solicitadas para importação de produtos à base de Cannabis são as mesmas para importação de medicamentos. Até a confecção desde guia não foi editada pelos órgãos de vigilância sanitária nenhuma norma especial referente ao licenciamento de empresas atuantes com produtos a base de Cannabis Medicinal;

  1.  O Processo de Importação

Habilitação no Sistemas de Comércio Exterior da Receita Federal

Antes iniciar qualquer operação de comércio exterior, é preciso que a empresa seja  habilitada no  Sistemas De Comércio Exterior da Receita Federal atualmente chamado Sistema Habilita. 

O Sistema Habilita está hospedado dentro do portal SICOMEX no endereço: https://portalunico.siscomex.gov.br/portal/

Interface gráfica do usuário, Aplicativo

Descrição gerada automaticamente
Figura 6 – Portal SISCOMEX – Sistema Habilita

O Sistemas de Comércio Exterior e o Registro e Rastreamento da Atuação dos Intervenientes Aduaneiros e é o primeiro passo para quem deseja operar com negócios internacionais. 

Esta habilitação é a comprovação de que a empresa está adequadamente constituída e legalizada, ou seja, com as condições necessárias para que ela possa passar a exportar ou importar.

Existem 3 modalidades de habilitação:

Habilitação ExpressaA empresa pode movimentar até 50 mil dólares a cada 6 meses e é a mais fácil de ser obtida por possuir menos pré-requisitos para apresentar à Receita Federal.
Habilitação LimitadaA empresa pode importar até 150 mil dólares a cada 6 meses
Habilitação IlimitadaEmpresas que desejam importar mais que 150 mil dólares a cada 6 meses
  1. Obtenção das Licenças de Importação

Para obtenção do licenciamento da autoridade sanitária para importação de produtos medicinais a base de Cannabis é necessário a habilitação da empresa no portal SISCOMEX.

Todas as classificações do produto junto ao sistema ficarão a cargo do importador, por isso é fundamental que haja pessoal habilitado para operar no portal SISCOMEX.

Antes de iniciar o transporte do produto para o Brasil, é necessário que seja registrada a Licença de Importação (L.I.) com todas as características dos produtos no portaç SISCOMEX e as informações relacionadas ao fabricante do produto no exterior e ao importador (no Brasil).

Muitas empresas ainda optam por fazer suas importações por meio de remessa expressa, entretanto estão sujeitas as mesmas regras de desembaraço aduaneiro, uma vez que a empresa que presta o serviço deve apresentar á vigilância sanitária os seguintes documentos:

  • Conhecimento de carga embarcada vinculado à importação – MAWB e HAWB. 
  • Guia de Recolhimento da União, da Secretaria do Tesouro Nacional – GRU, conforme previsto em legislação sanitária pertinente. 

Informações Pertinentes para importação do medicamento que devem constar na Fatura Comercial:

a) nome comercial, quando se tratar de produto acabado ou a granel (quando couber);

b) nome do princípio ativo base da formulação de medicamento;

c) o nome comum ou o nome técnico, químico ou biológico do bem ou produto, quando se tratar de insumo ou de matéria-prima destinados à produção de medicamentos, cosméticos, perfumes, produtos de higiene pessoal, saneantes e produtos para diagnóstico in vitro;

d) finalidade da importação;

Para entrada em território nacional dos produtos medicinais a base de Cannabis (assim como dos medicamentos controlados pela portaria 344/98), até a elaboração deste guia, são autorizados os seguintes portos e aeroportos (conforme RDC 367 de 06 de abril de 2020):

a) Porto do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ;

b) Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro – Aeroporto Maestro Antônio Carlos Jobim, Rio de Janeiro, RJ;

c) Porto de Santos, Santos, SP;

d) Aeroporto Internacional de São Paulo – Aeroporto Governador André Franco Montoro, Guarulhos, SP.

Figura 7 – Portos e Aeroportos com entrada de produtos controlados pela portaria 344/98 e a base de Cannabis

Atualmente toda documentação é apresentada de forma on line, sendo que a ANVISA pode solicitar mais documentos acerca da carga a ser liberada e ainda fiscalizar a carga presencialmente.

Abaixo apresentamos um esquema simplificado do processo de importação:

Tanto a Receita Federal quanto a Anvisa podem solicitar outros documentos de interesse ao processo de importação, além de inspecionar a carga de forma remota e/ou presencial. É recomendável, ainda, que os trâmites de autorização de importação sejam iniciados antes da chegada da carga em território brasileiro.

O Esquema abaixo demostra algumas diferenças importantes em relação ao processo de importação de pessoa física segundo a RDC 335/2019 e a RDC 327/2019

Pessoa Jurídica (Procurador de Pessoa física) RDC 335/2019Jurídica RDC 327/2019
Apresentação de Prescrição X
Seleção de Fornecedor X X
Autorização da Anvisa X X
Procuração X
Armazenamento de quantidade compatível para comercialização X
Partes da planta
Formas Farmacêuticas diferenciadas (Diferentes de uso oral) X*
Entrega a terceiros X
Tabela 1 diferenças entre importação processos de importação de pessoa jurídica

* Desde que que autorizadas por ação judicial.

  1. Liberação da Carga e Transporte

Completada a fase de inspeção da carga e aprovação da L.I, é necessário o pagamento dos impostos para a liberação a carga. O cálculo é feito de forma automática pelo sistema da Receita Federal. O ICMS é pago por meio de guia emitida pelo sistema. Já os impostos federais são deduzidos diretamente da conta corrente indicada pela empresa. 

Para realizar o transporte de cargas farmacêuticas, especialmente os produtos derivados da Cannabis, a empresa deve estar devidamente constituída, possuindo CNPJ, Alvará de Localização e Funcionamento, Alvará Sanitário, Responsável Técnico regularmente inscrito junto ao Conselho de Farmácia e as autorizações de Funcionamento e Autorização Especial.

Para o transporte adequado da carga, a transportadora deve dispor de controles ativos ou passivos de temperatura. A temperatura e umidade da carga devem ser monitoradas durante todo o trajeto, desde o embarque até o desembarque.

Caso os produtos derivados de Cannabis sejam termolábeis, deve haver exposição mínima a temperatura ambiente, incluindo, se necessário, a adoção de áreas refrigeradas junto aos espaços de armazenamento, recebimento e expedição.

Os agentes de transporte devem ser treinados no manuseio da carga, principalmente em caso de ocorrências policiais. É de suma importância a comunicação a agentes de segurança em caso de furtos ou roubos da carga e que a vigilância sanitária seja acionada, evitando que a carga seja comercializada por meios ilegais.

Devem ser observadas também resoluções municipais e estaduais referentes ao transporte e manuseio de cargas de interesse sanitário, principalmente as cargas sujeitas ao controle especial, como é o caso dos produtos a base de Cannabis.

  1. Armazenamento e Distribuição

Para realizar o armazenamento de produtos à base de Cannabis é imprescindível que empresa disponha de condições físico-sanitárias adequadas. Além disso, sua documentação legal deve estar regular perante os órgãos federais, estaduais, municipais e junto ao conselho Regional de Farmácia de seu Estado.

A empresa deve estar regularmente constituída com seu contrato social registrado na Junta Comercial do Estado ou Cartório de Pessoas Jurídicas. Em seu CNPJ deve estar descrita as atividades relacionadas a comercio atacadista de medicamento ou armazém geral, caso empresa seja um operador logístico. Deve possuir também documentos como alvará de localização e funcionamento, licença ambiental e alvará sanitário.

  1. Instalações Físicas Requeridas para Armazenagem

Para garantir a manutenção adequada das atividades de armazenagem, as instalações físicas mínimas que empresa deverá manter são:

  • área de recebimento e expedição de medicamentos separadas entre si;
  • área de armazenagem geral de medicamentos;
  • área ou local de armazenagem de medicamentos devolvidos, área ou local de armazenagem de medicamentos reprovados, vencidos, recolhidos, suspeitos de falsificação ou falsificados;
  • Área ou local de armazenagem de medicamentos sujeitos ao regime especial de acordo com a portaria 344/98. Estes devem estar em local próprio, com controle de acesso, sendo que a chave do local ou senha devem estar em poder do farmacêutico.
  • Área ou local de armazenagem de medicamentos em quarentena;
  • Área de depósito de materiais de limpeza (quando aplicável); 
  • Área de administração; 

Área de cantinas ou refeitórios (quando existentes), vestiários, sanitários e lavatórios, sem comunicação direta com as áreas de armazenagem;

No local de armazenagem de produtos deve haver controle de temperatura. Este processo é importante pois permite que o produto seja armazenado dentro das especificações dos fabricantes,  garantindo a manutenção da estabilidade e qualidade do produto.

  1. Garantia da Qualidade

Dentro do processo de armazenagem é necessário um sistema de gestão da qualidade (SGQ) que seja capaz de documentar, verificar e assegurar todas as etapas de armazenamento, expedição e comercialização de produto medicinais a base de Cannabis. 

O setor de garantia da qualidade irá monitorar a melhoria contínua dos processos e, neste sentido, monitorar tanto o treinamento dos novos colaboradores quanto o processo de educação continuada.

O SGQ permite ao estabelecimento armazenador coordenar todos os processos para que os produtos cheguem aos clientes cumprido todos os padrões de qualidade requeridos.

O setor de garantia da  qualidade também será responsável por qualificar os fornecedores e clientes. Os documentos que comprovem que os entes ligados a empresa estejam aptos a trabalhar com produtos à base de Cannabis devem ser solicitados, arquivados e controlados. Esta qualificação é demonstrada por meio documentos e através de realização de auditorias.

Em relação aos fornecedores, a equipe de garantia de qualidade é responsável pela confecção dos acordos de qualidade, muitas vezes apresentando indicadores para controle do fornecimento de produtos e serviços.

  1. Perspectivas futuras

Há grandes investimentos científicos no setor de Canabis, tendo em vista seu grande potencial medicinal. Porém a legislação atual no Brasil não permite a importação de partes de planta que seria essencial para o trabalho científico.

O setor magistral não é beneficiado tendo em vista que  a RDC 327/2019 em seu artigo 15º veda a manipulação de fórmulas contendo derivados ou fitofármacos à base de Cannabis spp. Todavia já há decisão liminar favorável para importação desta matéria prima o que já abre precedente para que outras empresas possam atuar neste segmento.

Com a regulamentação da importação do derivado vegetal, e consequente a possibilidade de obtenção do Canabidiol no Brasil, haverá redução no custo na fabricação dos produtos a base de Cannabis. Pode-se aventar ainda há possibilidade de desenvolvimento não só da indústria farmoquímica, como também dos setores ligados as pesquisas dos produtos à base de Cannabis.

Além disso está em discussão e implantação no Brasil o Sistema Nacional de Controle de Medicamentos (SNCM) em que será possível rastrear a produção de medicamentos no Brasil. Com a implementação do SNCM seria possível controlar a utilização da matéria prima a base de Cannabis, o que permitiria uma ampliação em sua produção, inclusive pelo setor magistral. E desta forma beneficiaria até mesmo o paciente pois ampliaria o acesso aos medicamentos.

  1. Considerações finais

Pela legislação atual, apenas a importação de produtos industrializado insumos farmacêuticos a base de Canabis é permitida para a industrialização de produtos, sendo vedada a venda para farmácias de manipulação.

Com a informatização das etapas de desembaraço aduaneiros, a liberação dos produtos se tornou mais ágil, mas é importante que sejam observados todos os pontos do processo.

Em relação aos processos logísticos é importante observar as legislações vigentes (como a Resolução 430 de 08 de outubro de 2020) e boas práticas de armazenamento e transporte. Isto irá garantir a logística adequada do produto e que o mesmo chegue em condições adequada ao paciente.

Em última instância, é importante a discursão do ciclo logístico dos insumos, principalmente em relação a utilização nas farmácias de manipulação, tendo em vista que atualmente todo o processo informatizado permite a comunicação de comercialização e utilização dos produtos diretamente com os órgãos reguladores, tornado  o controle de utilização dos insumos seguro e facilitando o acesso aos medicamentos aos pacientes, que são beneficiados quando há opções de tratamentos  e estas opções estão mais acessíveis. 

Glossário

Autorização Especial (AE): ato de competência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária que autoriza o exercício de atividades que envolvem insumos farmacêuticos, medicamentos e substâncias sujeitas a controle especial, bem como o cultivo de plantas que possam originar substâncias sujeitas a controle especial, mediante comprovação de requisitos técnicos e administrativos específicos;

Autorização de Funcionamento (AFE): ato de competência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, contendo autorização para o funcionamento de empresas ou estabelecimentos, instituições e órgãos, concedido mediante o cumprimento dos requisitos técnicos e administrativos;

Bagagem Acompanhada: aquela que o viajante traz consigo, no mesmo meio de transporte em que viaja, não sujeita a conhecimento de carga ou documento equivalente.

Conhecimento de Carga (embarque): documento emitido, na data de embarque do bem ou produto, pelo transportador ou consolidador, constitutivo do contrato de transporte internacional e prova da disposição do bem ou produto para o importador (Carga embarcada aérea – Air Waybill /AWB, Carga embarcada aquática – Bill Landing /BL e Carga embarcada terrestre: Conhecimento de Transporte Internacional por Rodovia /CTR).

Despacho Aduaneiro de Importação: ato em procedimento fiscal que verifica a exatidão dos dados declarados pelo importador em relação aos bens e produtos importados, a título definitivo ou não, com vista ao seu desembaraço aduaneiro, de acordo com a legislação pertinente.

Desembaraço Aduaneiro de importação: ato final do despacho aduaneiro; Insumos Farmacêutico.

Monitoramento de Temperatura e Umidade: É o acompanhamento contínuo da variação de temperatura

Pessoa jurídica de Direto privado: as associações; as sociedades e as fundações, que iniciam sua personalidade jurídica com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização do Poder Executivo.

Pessoa jurídica de Direto Público: que são criadas por força da lei, como as autarquias por exemplo

Remessa Postal Internacional: bens e produtos sob vigilância sanitária transportada por meio de encomenda internacional pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT. 

Remessa Expressa: documento ou encomenda internacional transportada por via aérea, por empresa de “courier”, que requer rapidez no translado e recebimento imediato por parte do destinatário.

Referências

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Portaria nº 344, de 12 de maio de 1998. [Aprova o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial]. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 1998. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/svs/1998/prt0344_12_05_1998_rep.html. Acesso em 01/01/2022.

BRASIL. SECRETARIA ESPECIAL DE COMÉRCIO EXTERIOR E ASSUNTOS INTERNACIONAIS SECRETARIA DE COMÉRCIO EXTERIOR  PORTARIA Nº 65, DE 26 DE NOVEMBRO DE 2020.  Dispõe sobre a habilitação de órgãos da Administração Pública Federal e sobre a inclusão, alteração ou exclusão de tratamentos administrativos no Sistema Integrado de Comércio Exterior – SISCOMEX. Brasília, DF: Secretaria de Comercio Exterior,  2020. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-65-de-26-de-novembro-de-2020-290751337. Acesso em 01/01/2022.

CARNEIRO, Diogo Reis; MORGADINHO, Ana Sofia. Canabis Medicinal na Neurologia Clínica: Uma Nuvem de Incertezas. outubro, 2019. Acesso em 30/12/2022

MEDEIROS, Franciele Castilhos et al. Uso medicinal da Cannabis sativa (Cannabaceae) como alternativa no tratamento da epilepsia. Brazilian Journal of Development, v. 6, n. 6, p. 41510-41523, 2020. Acesso em 30/12/2022

RESOLUÇÃO – RDC Nº 81. Disponível em http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/2718376/%286%29RDC_81_2008_COMP.pdf/cc803562-3b9d-433b-85ec-fd046af72111. Acesso em 02/02/222.

RESOLUÇÃO – RDC Nº 327. Disponível em  https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-327-de-25-de-fevereiro-de-2021-305374707. Acesso em 02/01/222.

RESOLUÇÃO – RDC Nº 335 . Disponível em  https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-335-de-20-de-marco-de-2020-249091352. Acesso em 02/02/222.

RESOLUÇÃO – RDC Nº 430. Disponível em https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-de-diretoria-colegiada-rdc-n-430-de-8-de-outubro-de-2020-282070593. Acesso 01/02/2022

RESOLUÇÃO -RDC Nº 570. Disponível em http://antigo.anvisa.gov.br/documents/10181/6335212/RDC_570_2021_.pdf/ba4a0bbd-aae2-4c33-b315-f94e8955f7a1. Acesso 01/02/2022

RESOLUÇÃO -RDC Nº 660. Disponível em https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-rdc-n-660-de-30-de-marco-de-2022-389908959. Acesso 18/05/2022

Autores:

Ana Paula dos Santos, Farmacêutica, MBA em Administração com ênfase em qualidade. Pós graduanda em Assuntos Regulatórios Pelo IPOG e Pós Graduando em MBA COMEX pela USCS de São Caetano do Sul.

Tiago Cícero Amorim Castro, MBA em Administração com ênfase em qualidade.

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