CRM-PR notifica médica e clínica por prescrição e divulgação de informações sobre Cannabis medicinal
Por Manuela Borges | 29 de setembro de 2021
Conselho Regional de Medicina do Paraná nega a existência da medicina canábica e não reconhece estudos científicos que comprovam o uso terapêutico da planta
“Fiquei assustada e me senti constrangida. No primeiro momento até quis me esconder, mas agora vejo que é preciso se expor para debater o assunto e acabar com o preconceito”, o desabafo é da Dra. Amélia Ferreira de Carvalho, Diretora Técnica Médica da Clínica Gravital em Curitiba, notificada em agosto pelo Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR) por prescrever Cannabis Medicinal e supostamente fazer propaganda a tratamentos e técnicas sem comprovação científica.
De acordo com a notificação encaminhada à clínica Gravital, entre abril e maio desse ano, a Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos – CODAME do CRM-PR realizou vistorias no portal da empresa onde encontrou informações que considerou irregular, tais como: o anúncios de publicidades de tratamentos à base de Cannabis Medicinal – publicadas no site e nas redes sociais da empresa – iriam contra a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) 2.113/2014.
Atraso-Brasil: Anvisa atualizou resolução
A redação de sete anos atrás – dada pelo órgão máximo da categoria – limita a prescrição de Cannabisa três especialidades: psiquiatria, neurologia e neurocirurgia. Ainda restringe a indicação da substância canabidiol (CBD), exclusivamente, para tratamento de epilepsias na infância e adolescência, que não respondam às terapias convencionais.
Por último, o texto veda ao médico a prescrição da Cannabis in natura e de quaisquer outros derivados que não seja canabidiol. Baseada nesta Resolução, a notificação do CRM-PR sustenta que “não existe medicina canábica” e que as divulgações feitas pela Gravital estão “fora do meio científico, método, técnica, processo de tratamento ou descoberta, cujo valor ainda não esteja expressamente reconhecido cientificamente por órgão competente”. Na notificação, o CRM-PR dá um prazo de cinco dias para que a empresa regularize a situação.
A Resolução do CFM 2.113/2014 é anterior às mais recentes resoluções editadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que liberam a comercialização de medicamentos à base de Cannabis – com baixo teor de THC ou com espectro completo de canabinoides (full spectrum) – e não apenas CBD.
Ainda, segundo a Gravital, a tentativa do CRM-PR de tentar coibir o uso da Cannabis Medicinal no Paraná vai contra as resoluções da Anvisa e com um agravante: proíbe os médicos de usar todos os tratamentos disponíveis ao seu alcance a favor do paciente.

“Ao ministrar o tratamento com produtos à base de Cannabis, o médico faz se utilizando do arcabouço regulatório ditado pela agência sanitária, sendo essa o órgão máximo, vinculada – inclusive – ao próprio Ministério da Saúde. Se a Anvisa aprovou é porque existe uma garantia mínima de segurança para aqueles que consomem o medicamento”, justifica a Diretora Técnica da Gravital.
De acordo com a representante da clínica, a Anvisa já reconheceu que os princípios ativos da planta têm resultados importantes em pacientes portadores das mais diversas condições clínicas, tais como: ansiedade, autismo, Parkinson, Alzheimer, dor crônica, depressão, obesidade, insônia, vícios, além da própria epilepsia.
Desde que recebeu a notificação, a Gravital afirma que se dispôs a cumprir prontamente as exigências do órgão de classe, como por exemplo, inserir o nome e número do seu Diretor Técnico em todos os anúncios que são ou que forem destinados a promoção da clínica, bem como os tratamentos por ela realizados.
Sobre irregularidades na divulgação de suposta publicidade, a clínica Gravital alega que se trata de reportagens públicas, extraídas de jornais, revistas e produzidas por veículos oficiais alheios à empresa, criadas apenas à título de “repostagem” nas redes sociais da clínica, sem qualquer adição de valor ou opinião por seus membros e funcionários.
Em um comunicado divulgado ao público sobre o assunto, a clínica expressa seu desapontamento com a postura do CRM-PR e promete não desistir de promover o debate sobre a Cannabis Medicinal. Afirmou ainda que não deixará de transmitir informações técnicas e científicas de qualidade para seus pacientes e sociedade.
“Nós somos a primeira clínica canábica do Brasil. Já atendemos mais de 2 mil pacientes das mais diversas condições clínicas. Vimos vidas de famílias se transformarem graças ao uso da Cannabis. Além disso, estamos constantemente conectados com os avanços que ocorrem no exterior sobre o tema. Quantos desses pacientes só puderam se beneficiar após terem olhado nosso material educativo do website ou de nossas redes sociais? Qual o sentido e qual o benefício para o público em se censurar a ampla divulgação de conteúdo sobre o tema?”, questiona Joaquim Castro, sócio-fundador da Gravital.
Procurado pela reportagem, o CRM-PR emitiu nota afirmando que não se manifesta em situações que podem antecipar juízo ou expor a integridade do médico, seguindo o que prevê a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
E orienta questionar a legislação do CFM em sua origem. Sobre a liberdade de prescrição do médico, o órgão de classe disse que “o profissional de Medicina deve se pautar no Código de Ética Médica e nas normas e resoluções que complementam aspectos da conduta ética. Assim sendo, quando se fala em “autonomia do médico”, é indispensável a leitura como um todo do conjunto (deontológico) e não se estabelecer em independência ilimitada ou isenção de responsabilidade”.
O órgão ainda ressalta que como prevê o código de ética “o médico se responsabilizará, em caráter pessoal e nunca presumido, pelos seus atos profissionais, resultantes de relação particular de confiança e executados com diligência, competência e prudência”, conclui o CRM-PR.
Atualização necessária dos CRMs
Para a Dra. Amélia, o Conselho de classe estacionou no tempo, não tem acompanhado as centenas de pesquisas científicas que têm sido publicadas na base de dados PubMed comprovando a eficácia da Cannabis em diversas patologias, e precisa rever a Resolução 2.113/2014 – uma vez que o próprio texto afirma que a norma deverá ser revista a cada dois anos.
De acordo com a médica, a autonomia do especialista e do paciente devem ser respeitadas, para que em consenso, ambos possam decidir qual é o tratamento que deve ser realizado, respeitando os princípios da beneficência. “O CFM não conseguiu acompanhar a evolução do tema da Cannabis medicinal no mundo.
A norma já tem 7 anos e quanto a medicina não evoluiu de lá para cá? Hoje, eu tenho cerca de 200 pacientes, 90% deles têm resultados excelentes com a Cannabis. Países mais evoluídos do que o Brasil, como os Estados Unidos, o Canadá e toda a Europa, teriam regulamentado esse medicamento se não houvesse comprovação científica?”, questiona a médica.
Procurada a assessoria de imprensa do Conselho Federal de Medicina informou que o CFM é uma espécie de tribunal de classe que não se manifesta em casos concretos. Sobre a possibilidade de revisão da Res. CFM 2.113/2014 e se a Resolução está acima da liberdade de prescrição médica, o órgão não emitiu resposta até a data de publicação da reportagem.

Para o presidente Associação Brasileira das Indústrias de Cannabis (ABICANN), Thiago Ermano, o CFM-PR precisa buscar parcerias para reorientar as equipes da Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos, e assim se atualizar sobre os avanços científicos médicos em torno da Cannabis para uso terapêutico. “São mais de 250 patologias mapeadas, e felizmente, a ANVISA informa que até julho de 2021 mais de 45 tipos de especialidades médicas aviaram receitas, solicitando o acesso a produtos de Cannabis para seus pacientes”, destaca Ermano.
De acordo com o presidente da ABICANN, represar acesso à informação e à produtos para saúde só retarda grandes oportunidades de investimentos, bem como atração de capital. Empresas já contratam, geram renda, investem em fábricas, em produtos e em sistemas de distribuição permitidos pelo Estado.
“E tudo isso depende da capacidade dos médicos poderem prescrever com segurança jurídica, tendo o apoio, a orientação e disseminação de informação técnica por meio de seus conselhos de classes. Quem foi notificada foi nossa associada Gravital, que buscou solução educativa e pacífica, porém, sem a devida atenção. Pedimos revisão ao CRM-PR, porque manter essa decisão só gerará um alerta a todos os prescritores e em efeito cascata a todos que se movimentam para tornar realidade essa indústria no País. Sem falar nas associações de pacientes”, finaliza o representante da ABICANN.
O que diz a Anvisa
Questionada sobre a tentativa de coerção do CRM-PR, a Anvisa emitiu nota afirmando que enquanto Agência de Regulação Sanitária, o órgão não alcança o exercício profissional das diferentes categorias em atividade no campo da Saúde. “O escopo de atuação da Anvisa está circunscrito aos processos para importação, fabricação, comercialização e distribuição, incluindo matérias-primas, no caso dos medicamentos em geral e também no que concerne aos produtos à base de Cannabis. Dessa forma, a regulamentação da Anvisa sobre produtos derivados de Cannabis trata dos requisitos técnicos e de procedimentos para que um produto possa ser comercializado no Brasil ou importado para uso pessoal”, encerra a Anvisa.
(Com edição do Editor)