A importância do Farmacêutico para a Indústria da Cannabis

Por Gregório Ventura | 28 de setembro de 2021 – Atualizado em 03 de abril de 2022

Quando falamos de Cannabis, falamos de um dos remédios mais antigos da história da humanidade. E quando se fala do profissional farmacêutico, também estamos diante de uma das profissões mais antigas da humanidade. Por séculos, essa é uma especialidade essencial para todas as pessoas, pois o médico e o farmacêutico eram uma profissão só e utilizavam diversos insumos — vegetais, animais e minerais — para tratar diversas condições de saúde.

Houve um momento em que as atividades do médico e do farmacêutico precisaram se desmembrar, e agora, com a retomada do uso medicinal da Cannabis, é importante que essas áreas do conhecimento voltem a dialogar pelo objetivo maior, que é trazer bem-estar e qualidade de vida para os pacientes.

Se na China entre os anos 2727 e 2737 a.C. a Cannabis era incluída na farmacopéia pelo imperador Shen Neng, os médicos/farmacêuticos já faziam uso naquela época. Nós do Green Science Times vamos mostrar nesse artigo como o farmacêutico é fundamental em toda a cadeia produtiva canábica, desde o cultivo até o acompanhamento dos pacientes, e uma peça tão importante quanto o médico — seu irmão de nascimento. 

Fábio Costa, farmacêutico e consultor em Cannabis para assuntos de mercado e saúde e Coordenador do Grupo de Trabalho Farmacêutico da Associação Brasileira das Indústrias de Cannabis (ABICANN), atua para que os profissionais farmacêuticos estejam presentes no debate sobre o uso medicinal dos óleos e extratos da planta e PD&I. Com tantas possibilidades de atuação, Costa incentiva que os colegas de profissão se preparem e estejam capacitados para atender as demandas que vão surgir, no Brasil e no mundo.

“O profissional atua em etapas anteriores a prescrição do médico que garantem confiança, segurança e eficácia do uso: avaliação da qualidade do insumo vegetal de valor farmacológico (característica fitoquímica), métodos de extração do insumo, desenvolvimento de formulações, desenvolvimento de metodologia analítica, controle de qualidade, pesquisa clínica, desenvolvimento de métodos de diagnóstico para uso de canabinóides, suporte científico orientado aos prescritores, logística e importação.”  

Na imagem acima é possível ver que no século VI (D.C) registraram o texto agrícola entitulado ‘Técnicas Essenciais para o Bem-Estar das Pessoas’ (Qi Min Yao Shu). Ele descreveu técnicas para o cultivo de Cânhamo em grande detalhe, e sua monografia sobre o cultivo de Cannabis apresenta uma das primeiras aplicações textualmente documentadas de fertilizantes na história da agricultura chinesa.

Costa, que também é supervisor clínico de pacientes em tratamento com canabinóides e outras fármaco terapias, completa que após a receita médica, ainda há algumas etapas da cadeia que exigem atenção de um profissional farmacêutico:

“As etapas posteriores à prescrição médica, que chamamos de dispensação, são atividades focadas na garantia do uso racional da prescrição emitida ao paciente, sendo uma atividade clínica complementar para adesão ao tratamento: farmaco-vigilância, monitoramento, auxílio no manejo e segurança do paciente, bem como documentar as demandas de vigilância sanitária no controle de substâncias.”

Confira alguns momentos-chave onde ter um farmacêutico bem preparado faz toda a diferença.

Cultivando o medicamento – Antes da planta virar remédio, já temos um momento crucial que é a seleção da genética a ser cultivada. O cultivo é a opção, de longe, com o custo mais baixo para se ter acesso a medicamentos com Cannabis, pois vivemos num país com ótimas condições de cultivo ao ar livre, sem necessidade de iluminação artificial. Então, pensando em obter o fitofármaco mais eficiente para cada condição, o farmacêutico pode atuar selecionando as genéticas mais adequadas, visando uma colheita de flores ricas nos canabinóides que forem mais convenientes.

Foto ilustrativa: Angel Sinigersky on Unsplash

Os canabinóides mais populares, e abundantes na planta, são o CBD e o THC, o primeiro muito eficiente contra doenças psiquiátricas ou neurodegenerativas, como esclerose múltipla, esquizofrenia, mal de Parkinson, epilepsia ou ansiedade; o segundo desempenha um importante papel na redução da dor, de náuseas e vômitos, bem como, no tratamento da anorexia e também da HIV e do glaucoma. Mas esses não são os únicos componentes de interesse na planta, a Cannabis possui mais de 500 compostos, dentre estes, 104 são canabinóides já identificados, cada um com uma característica e ação no nosso organismo.

PersonalizaçãoO farmacêutico tem a oportunidade de personalizar o medicamento, de acordo com a necessidade dos seus pacientes propondo soluções já nessa etapa da cadeia em contribuição com outros envolvidos. Inclusive, ferramentas de DNA para canabinoides já estão disponíveis para pacientes.

Imagem ilustrativa: Kindel Media

Esse trabalho já é desenvolvido em associações de pacientes, como é o caso da Abrace Esperança, que produz desde 2017 óleo de Cannabis para seus associados. A organização conta com farmacêuticos no seu quadro de funcionários, que acompanham todo o processo desde o cultivo até a assistência durante o tratamento.

Extraindo o melhor da planta Cannabis – Depois da colheita, a planta precisa ser processada para só então virar um medicamento à base de Cannabis. Também é o farmacêutico o profissional que tem a melhor formação para atuar nessa etapa, utilizando os melhores métodos de extração e, dessa forma, obtendo o produto mais adequado com os canabinóides e terpenos que cada tipo de planta pode oferecer. A partir daí passamos para a dispensação desses produtos para que sejam manipulados de acordo com a necessidade de cada paciente. 

A prescrição médicaOs trabalhos do médico e do farmacêuticos têm mais um encontro, quando ocorre a prescrição médica. O tratamento com a planta Cannabis é extremamente eficiente, os efeitos são sentidos nas primeiras doses e são famosos os casos de pacientes que têm uma vida dividida em antes e após a Cannabis. Porém, para alcançar esses resultados a terapia deve ser personalizada, o que torna o acompanhamento do paciente uma etapa muito importante na busca pelo bem-estar.

Algumas situações exigem o ajuste da dose durante o tratamento. É nesse momento que a assistência do farmacêutico clínico é essencial, pois é preciso avaliar as interações com outros medicamentos que o paciente já utiliza, ajustar as doses e às vezes alterar a via de administração. Lourinalda Silva, farmacêutica, doutora em Química e professora da UFRPE, explicou como esse acompanhamento faz a diferença no sucesso do tratamento.

“Dependendo de como for a aceitação da famacoterapia pelo paciente. O farmacêutico também pode auxiliar na colaboração para a fórmula farmacêutica adequada. Por meio da manipulação personalizada, que possa auxiliar na terapia destes pacientes junto ao médico, e porque na farmácia magistral nós já temos várias opções no desenvolvimento farmacotecnico (cápsulas, loção, spray, xarope entre outras), permite o atendimento personalizado dos diferentes pacientes, inclusive crianças e idosos que são as classes de pacientes com menor aceitação no manejo e gestão da terapêutica farmacológica prescrita.” 

Farmácias Vivas – Como fazer os tratamentos com Cannabis serem mais acessíveis à população? Em um contexto em que apenas remédios importados podem ser utilizados, o uso clínico da Cannabis acaba sendo uma opção muito cara, porém, o Sistema Único de Saúde (SUS) já tem uma solução. O sistema público de saúde tem uma ferramenta poderosa que são as Farmácias Vivas. Elas foram instituídas por meio da Portaria nº 886, de 20 de abril de 2010.

São instrumentos dos estados e municípios que compreendem todas as etapas, desde o cultivo, a coleta, o processamento, o armazenamento de plantas medicinais, a manipulação e a dispensação de preparações magistrais e oficinais de plantas medicinais e fitoterápicos.

Incluir a cannabis no programa poderia viabilizar medicamentos mais acessíveis à população, principalmente os que não têm condições de pagar os altos preços do produto nas redes de farmácias, ou recorrer à judicialização para terem acesso ao tratamento. O farmacêutico se torna peça importante nessa cadeia, como explica a Francine Campolim Moraes, farmacêutica e coordenadora do Programa de Fitoterapia de Itapeva-SP.

“Do ponto de vista do farmacêutico, lhe confere autonomia e o coloca em lugar de destaque em todas as etapas do processo, desde o cultivo da planta medicinal, passando pelo beneficiamento, manipulação, controle de qualidade até a prescrição, dispensação e acompanhamento do paciente. Do ponto de vista do paciente é uma conquista, pois promove a cultura do autocuidado, da prevenção e manutenção da saúde integral, dando a ele a possibilidade de optar por um tratamento mais natural dentro do âmbito do SUS. O cultivo, beneficiamento, manipulação e dispensação dos produtos derivados de Cannabis pelas Farmácias Vivas cumpre os objetivos do próprio SUS, previstos na Constituição, garantindo o acesso universal e igualitário, com segurança e eficácia a este tratamento, que comprovadamente traz mais saúde e qualidade de vida aos pacientes.”

Foto ilustrativa: Stephanie Louise

De ponta a ponta o profissional farmacêutico pode contribuir e quem sai ganhando é o paciente. Portanto, são etapas que ainda carecem de regulamentação no Brasil e esse é o momento de incluirmos essa categoria no debate. Fábio Costa nos lembra que essa já é uma recomendação da Anvisa:

“A legislação sanitária em vigor emitida pela Anvisa (RDC 327/2019) já orienta farmacêuticos a participarem das atividades de inteligência regulatória para anuência de insumos de qualidade (grau farmacêutico) e peticionamento na agência reguladora para autorização de produtos a serem comercializados, bem como no desenvolvimento farmacotécnico à jornada destes “fitoterápicos”, em um fluxo de distribuição até o usuário. Os farmacêuticos poderiam ser mais ouvidos, pois têm as competências ideais para contribuir mais e acelerar a regulamentação de forma viável e menos enviesada”, finaliza o coordenador do Grupo de Trabalho Farmacêutico da ABICANN.

Farmacêuticos: onde buscar informações e oportunidades no mercado da Cannabis?

* Associação Brasileira das Indústrias de Cannabis – entidade associativa que reúne profissionais técnicos e empresários interessados em propor legislação, apoiar e divulgar negócios ligados à Cannabis Medicinal e educação sobre a planta Cannabis e suas mais de 53 mil utilidades, com óleos/extratos e fibras – http://abicann.org

* Cannabis Academy – considerada a primeira Comunidade Científica de Cannabis Medicinal do Brasil, empresa oferece aos profissionais médicos (e farmacêuticos) acesso aos conteúdos mais relevantes sobre terapêuticas com Cannabis. Cursos EAD práticos, grupos exclusivos e acesso 24h a materiais exclusivos é o que profissionais da Saúde encontram – https://cannabisacademy.com.br

* Clube de Negócios Cannabusiness (CNC) – uma atmosfera e ambiente (física e virtual) de Educação Profissionalizante para quem quer trabalhar, empreender e/ou investir nos mercados da Cannabis Medicinal e do Cânhamo Industrial, no Brasil e em mais de 20 mercados pelo mundo. Realizam e oferecemos aos profissionais muitas palestras, workshops e cursos, além de prepararemos missões técnicas e empresariais – www.instagram.com/clubecannabusiness

Foto de capa: Adam Nieścioruk/Unsplash

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