Tendências em Cannabusiness: o que aprendi sobre maconha, tecnologia, medicina e sociedade no maior festival de inovação do mundo

Publicado originalmente no Medium – por Fabricio Pamplona

Em 2019 pela primeira vez a maconha entrou no hall de conteúdos como uma vertical independente no South by Southwest (SxSw), conhecido como maior evento mundial de inovação. É um evento muito inspirador, que mobiliza 75 mil pessoas para participar de algo em torno de 1600 atividades em apenas 9 dias na mesma cidade.

As atividades envolvem temas de design, sustentabilidade, cidades inteligentes, mobilidade, criptomoedas, realidade virtual, cinema, games, saúde, tecnologia, e tudo o mais que envolve criar o futuro da humanidade. É Imagina a loucura… é uma efervescência só, uma verdadeira sopa de referências que dá uma ideia das principais tendências do que está rolando e do que está por vir. É ducaralho.

Abaixo um resumo das principais tendências sobre o mercado de Cannabis, pela minha perspectiva como participantes, palestrante, e curador convidado da White Rabbit. Rolou uma palestra “power presentation” de 5 minutinhos no evento de Decoding da White Rabbit. Se quiser ter uma ideia do que é o festival, vale muito a pena assistir: www.facebook.com/whiterabbittrends. Procure pelos vídeos e vai achar a live publicada ontem (02/04/2019). A minha parte começa aos 2h19, mas vale a pena assistir tudo, o evento foi apenasmente incrível.

É uma verdadeira overdose de conteúdo, e a boa notícia é que foram propostas 700 palestras e apenas 46 terminaram na grade final do evento. Ou seja, ainda tem muuuuito pano pra manga pras próximas edições. Como crítica, eu diria que foi uma bela amostragem do que está rolando nos EUA, mas houve proporcionalmente pouco conteúdo de outros países. Salvo engano, eu fui o único palestrante da América do Sul, por exemplo.

Os temas tratados podem ser agrupados em 3 grandes áreas: Política/Ativismo, Tecnologia/Empreendedorismo, Cultura/Branding. Na minha visão, em política e ativismo não tivemos muitas novidades. Pessoas apaixonadas inspirando os curiosos ainda “não convertidos” e outros mais críticos mostrando sua revolta com a demora na mudança definitiva do status legal dessa planta no planeta.

Mas valeu pra quem é completamente de outra área, sempre inspirador. Em tecnologia e empreendedorismo, tenho a sensação de que os negócios estão ficando cada vez mais sofisticados e exigindo que se tenham produtos, serviços e estratégias mais fundamentadas. Os tempos de “dinheiro fácil” com qualquer produtinho já passaram, pelo menos nos países em que já há mercado regulado. Pra entrar nesse mercado não dá mais pra simplesmente “plantar maconha e vender a rodo” ou “extrair CBD de cânhamo e vender a rodo”, para se destacar hoje em dia é preciso realmente gerar valor.

A tag cloud abaixo dá uma boa amostra dos conteúdo das palestras. Essa figura traz o resumo de todas as atividades da vertical de Cannabusiness e é uma data visualization. Quanto maior a palavra, mais vezes ela apareceu repetida nas palestras. Isso dá uma ideia dos temais mais importantes.

Vejam que intessante. Bastante relevância para “Health, Policy, Retail, Brand, Business, Medical, Discuss, Market, Product, Industry, Marijuana, e claro Cannabis e CBD. Sempre ele, o CBD que finalmente ajudou a maconha a virar um tema da moda. Curioso ela ter se tornado mainstream por conta do bendito “primo pobre”, o cânhamo, que roubou a cena da “princesinha”…

Essa é a tag cloud com a data visualization dos resumos de todas as 46 atividades sobre Cannabis do festival. Funciona assim, quanto maior a palavra na figura acima, mais vezes ela foi mencionada nos resumos.

Abaixo as 6 tendências mais relevantes (na minha perspectiva)

  1. Aspectos medicinais da Cannabis a levaram ao mainstream, mas não podemos esquecer dos aspectos ritualísticos de conexão entre as pessoas que ela proporciona. A experiência de cura pode ser holística, envolver as pessoas de maneira emocional e espiritual. Essa ótica vem de uma conexão mais profunda que certas pessoas desenvolvem com a planta e seus rituais. Há um risco de banalização dessa experiência com a incorporação do THC em “canetinhas” de vaporização e balinhas tipo gummy bear. Há quem não esteja nem um pouco feliz com isso.
  2. As pessoas usam a Cannabis para se sentir bem e ter saúde ao mesmo tempo. Normalmente, pensamos que um remédio é algo ruim, que não gostamos de tomar, mas tomamos porque faz bem. A Cannabis tem propriedades medicinais e além disso as pessoas gostam. É um misto super curioso entre uma experiência de wellness e tratamento médico.
  3. A ciência tem aprendido muito com a experiência dos pacientes e as grandes inovações que vieram na forma de medicamentos nada mais são do que uma validação em formato de desenvolvimento farmacêutico do que já se sabia a partir das experiências dos próprios pacientes de Cannabis medicinal, e antes disso, até mesmo das propriedades medicinais ancestrais descritas para essa planta. Estamos re-inventando o passado.
  4. Apesar da modinha do “CBD”, o cânhamo é muito mais do que isso e veio para ficar. Pode-se gerar muitos produtos a partir do cânhamo, incluindo plástico, biodiesel, papel, roupa, farinha, proteína, azeite… tem muita coisa boa que pode ser produzida, e com alto grau de sustentabilidade. Tudo de cânhamo, tudo legal. Hemp é AGRO, hemp é POP.
  5. Há muitas oportunidades de negócios em torno desse mercado e que até mesmo não envolvem a planta. O nível de sofisticação desse mercado está enorme, e há espaço para quem for criativo. Curiosamente, os Estados Unidos que hoje possuem os melhores produtos, as melhores marcas e — potencialmente o melhor mercado consumidor — não está aproveitando devidamente esse potencial por conta das limitações regulatórias em âmbito federal. Tem gente dizendo que isso muda em breve, e quando mudar… o mundo que se cuide, porque os caras estão ávidos por tomar o lugar de destaque no espaço, que hoje é ocupado pelos vizinhos canadenses. Os americanos “deixando dinheiro na mesa” não é algo que se vê todos os dias…
  6. O mercado de varejo inteiro tem operado com produtos commoditizados, são poucos fornecedores que alimentam uma infinidade de dispensários. Claro que há variedade, mas ela reside em linhagens da planta cada vez mais populares, variedades de óleos e comestíveis. Em geral, é tudo mais do mesmo, e a experiência de compra desenhada pelo varejista faz toda a diferença como diferencial de mercado, e para gerar uma identificação do cliente com a marca.

Imagens que valem mais que 1000 palavras

Nada melhor que o contraste para fazer a gente entender como as coisas mudaram. Veja abaixo alguns exemplos de como as coisas eram (ou são, no caso do Brasil e outros países que ainda estão atrasados) e de como elas ficam depois da devida regulamentação do mercado de Cannabis.

  1. Ficar chapado virou “mood modulation. Antes se pensava na figura do hippie com um baseadão como o ícone do uso da maconha de forma recreativa. Esse costume está mudando bastante com a popularização dos vaporizadores, e hoje, já existem marcas em que você compra o produto escolhendo a experiência que quer ter. O próprio uso da planta in natura está ficando old school.

O melhor exemplo disso é o vaporizador Dosist (antigo Humboldt). Você entra no site e escolhe se quer comprar o produto que lhe deixa relaxado, alegre, introspectivo, sonolento, e por aí vai. Não é um barato? Acho que estamos apenas começando essa etapa de uma evolução positiva da relação humana com a psicoatividade proporcionadas pelos canabinoides.

2. Sai o brisadeiro, entre a balinha colorida de maconha. Quando se fala em comestíveis, o “tradicional” sempre foi pensar no popular “brisadeiro”, ou brigadeiro de maconha, ou no “space cake“, com as variações space muffinsspace brownies, etc. Tudo meio caseiro, remetendo a receitas da vovó. Hoje em dia você encontra virtualmente qualquer tipo de alimento infundido com maconha, e há inclusive restaurantes especializados nisso. O que popularizou essa cultura foram sem dúvida os “gummy bear“. Já existem fornecedores com mais de 100 tipos de produtos diferentes para você escolher como chapar.

3. A experiência de compra agora é segura e personalizada. Ao invés da situação terrível de ter que “subir o morro” e comprar maconha com traficantes, frequentemente armados, e ficar vulnerável a toda sorte de imprevisto ou violência, agora você entra no seu dispensário preferido, de acordo com seu lifestyle e escolhe as diferentes variedades ou produtos em um tablet, que vai aprendendo suas preferências e te ajuda a fazer escolhas cada vez melhores e mais personalizadas. O big data, a inteligência artificial, e as interfaces amigáveis vieram com tudo para dar um boost na experiência de consumo. Fora isso, os dispensários são verdadeiras concept stores e já existem estúdios de design exclusivamente dedicados a desenhar experiência de compra pro mercado de Cannabis. Incrível o nível de segmentação em que se está chegando.

4. Maconha medicinal é de verdade, chega de bullshitagem. No início dessa onda de maconha medicinal, os Green Doctors de Venice beach contribuíram muito com o boom do mercado literalmente vendendo prescrições e carteirinhas de paciente de maconha medicinal a preços acessíveis. É meio ridículo pensar que caras como esse de verde na foto ficavam na rua oferecendo “consultas expressas” para quem quisesse se tornar paciente. Hoje o cenário está mudando rapidamente, há um reconhecimento muito maior do uso terapêutico da Cannabis de verdade. 

Com isso, naturalmente está havendo um distanciamento maior entre os usuários recreativos e os pacientes. Os mercados são diferentes, as abordagens e necessidades de produtos são diferentes, e eles tem tudo para se separarem definitivamente, embora seja bastante curioso notar que a Cannabis alivia sintomas de doenças e ao mesmo tempo faz a pessoa se sentir bem. É uma quebra de paradigma interessante na medicina.

5. O óleo de Cannabis, ou mais comumente o hemp oil nasceu dos pacientes, nos EUA o grande primeiro nome que surgiu no horizonte foi o Rick Simpson que ensinava a fazer o óleo na internet. Associações de pacientes se organizaram para começar a produzir para seus associados “na cara e na coragem” (como a ABRACE aqui no Brasil, por exemplo).

Eles certamente contribuíram para a saúde e bem estar de muita gente, e não são poucos os relatos de famílias que são super gratas a essas iniciativas. Contudo, por conta da demanda do mercado farmacêutico formal por inovações, produtos padronizados e devidamente formulados foram introduzidos no mercado e hoje se tem inclusive um produto registrado no FDA, que nada mais é do que um óleo de hemp bem purificado.

A diferença? Bem, esse produto registrado pode ser chamado de medicamento e tem evidências sólidas de que funciona e é seguro. Os médicos sem dúvida preferem esse tipo de chancela da agência regulatória do que os óleos “caseiros”, embora o preço costume ser substancialmente maior para quem paga essa conta.


Esse foi o último post da série sobre a vertical de Cannabusiness do SxSw. Espero que tenham gostado!

Para curtir os outros posts da série:

SxSw: Saúde vs bem-estar e outras tendências não obvias da indústria da Cannabis por Nancy Whiteman

SxSw: The Cannabis Renaissance — A ciência confirma a tradição

SxSw: Como serão os dispensários do futuro?

SxSw: Bate-papo com Mathew Morgan sobre as tendências da indústria da Cannabis


O principal objetivo deste Medium é trazer informação de alto nível a respeito de ciência e tecnologia no âmbito da Cannabis medicinal, um campo da medicina que está florescendo nos últimos anos. Às vezes, a gente se arrisca a falar de uma outra curiosidade menos explorada sobre este planta ou o mercado. Interessou? Siga acompanhando!

Fonte: Fabricio Pamplona, no Medium

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