Associação Alternativa: Sob ameaças, entidade vence desafios e investe na informação sobre o uso terapêutico de Cannabis

Por Silvana Baierl | 31 de janeiro de 2022

Durante dois anos, Sandro Pozza aprendeu a cultivar e plantar Cannabis, além de extrair e comercializar o óleo da planta, em uma fazenda localizada na Califórnia, nos Estados Unidos. O procedimento visava atender à debilitada saúde da sogra dele, que vinha sofrendo crises de epilepsia e mal de Parkinson. Em razão desses problemas, retornou em 2017 com a família ao Brasil. Com o conhecimento obtido e com as mudanças de planos na vida, tornou-se um consultor cannábico, experiência que o direcionou à fundação da Associação Alternativa de Cannabis Medicinal, atualmente com sede em Imbituba (SC); e da marca Natural Flowers, na Califórnia (EUA).

Esse curto período foi suficiente para o presidente da entidade Alternativa enfrentar as restrições da pandemia, ao lado de diversas burocracias, em busca do direito de cultivar e produzir o óleo de Cannabis, em terras brasileiras. Em um interlúdio de desafios, Pozza foi preso e processado judicialmente, mas posto em liberdade em seguida. Entre ameaças de prisão e apreensão de medicamentos, o que gerou uma pressão na entrega e na produção do óleo para pacientes, a Associação Alternativa enfrentou 10 meses de operações em cartório. A cada solicitação atendida, o tabelião exigia novos documentos para liberar o registro. O registro do Estatuto Social da entidade finalmente foi registrado, durante a produção desta reportagem. Até agora, a entidade luta pela conquista da identidade legal, representada pelo CNPJ.

A tenção permanece constante para manter a associação ativa e atendendo. De acordo com o entrevistado, o prejuízo maior é o preço alto do medicamento para pacientes, comparado àqueles praticados pela associação, assim como na qualidade do atendimento quanto na fabricação de medicamentos à base de uma planta natural, que poderia ser cultivada em casa. Uma solução que esbarra na Lei 11.343 de agosto de 2006, a qual “institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad, prescrevendo medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas, estabelecendo normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, definindo estes atos como criminosos”.

Nossos associados confiam em nosso trabalho, na nossa produção e na missão de nossa associação.” – Sandro Pozza

Segundo Fábio Dias Ribeiro Elste, consultor jurídico da Associação Alternativa e advogado criminalista, Pozza conta com o privilégio de ser réu primário. Porém, há o risco de enfrentar uma pena de prisão de dois anos. “Estamos buscando a absolvição por intermédio do apelo medicinal da planta, cujo cultivo é destinado à produção do óleo para atender a pessoas que necessitam de tratamento com base na cannabis”, explica Elste.

O advogado ressalta que o Estado de Santa Catarina ainda segue as leis de forma mais rígida, em relação à São Paulo e Rio de Janeiro, Estados que já demonstram uma certa flexibilidade na avaliação dessas questões. Na primeira vara do Rio Grande do Sul, por exemplo, o juiz conciliou o habeas corpus para o réu de maneira favorável.

O principal fundamento da sentença determina que Pozza não realiza tráfico de drogas, embora a lei não faça distinção ao que ele faz. Com isso, ele enfrenta dois destinos que se cruzam, com um processo que não estabelece uma defesa, porém sem uma sentença definida, já que há uma cultura voltada para o combate do tráfico”, explica o advogado.

Desde 2020, Fábio Elste passou a advogar em Pelotas-RS, ocasião na qual decidiu seguir em defesa da discriminação do uso da Cannabis Medicinal. Durante a pandemia, partiu em defesa deste setor, estudando e ampliando conhecimentos, em duas vertentes: Direito e Sociologia; e Filosofia. Diante da situação do presidente da Alternativa, o advogado passou a contribuir com a entidade, auxiliando na documentação exigida pelo tabelião.

Uma história baseada em argumentos e defesas

De acordo com Pozza, o plano inicial era abrir um negócio de açaí. Durante um almoço, ele conheceu um texano, que lhe mostrou as formas adotadas numa plantação de Cannabis. Ao fim do encontro, os planos dele já haviam mudado, e Pozza decidiu investir no cultivo da planta. Em parceria com um amigo, obteve a licença, o terreno e uma estufa. Simultaneamente, a vivência fora do Brasil lhe garantiu a oportunidade de viajar para vários países, pesquisando sobre a cultura da Cannabis de cada região, vislumbrando concretizar o sonho de obter óleos medicinais com a mais alta qualidade.

Ao retornar ao Brasil, deparou-se com o excesso de burocracias. Além das dificuldades para registrar a entidade, enfrentou um mandado de prisão, sob o argumento de que uma entidade direcionada ao Cannabis Medicinal é ilegal. Foram necessários inúmeros argumentos e defesas, comprovando que já existem medicamentos disponíveis nas farmácias e pacientes sofrendo por falta de acesso aos remédios com preços acessíveis.

Sempre precisamos argumentar, exaustivamente, para comprovar a realidade dos pacientes”, declara.

Junto ao preconceito, toda associação que defende a indústria médica do Cannabis sofre ameaças de prisão ou de paralização das atividades. Respondendo ao inquérito policial, Pozza enfrenta a falta de autorização do plantio, consequentemente, não tem acesso ao tratamento eficaz para epilepsia refratária, que é um dos problemas principais dos associados da Alternativa.

O convívio nos Estados Unidos mostrou a Pozza o quanto o Brasil está atrasado, em comparação a outros países. O CDB é uma das mais de 500 moléculas importantes e presentes na Cannabis que ameniza diversos problemas e, em muitos casos, os sintomas até desaparecem. Entre os epiléticos, as crises podem até acabar. E, em outros, diminui sensivelmente, como na Esclerose, Parkinson, Depressão, Ansiedade e Insônia. “Cannabis hoje é uma planta que contribui com a qualidade de vida dos pacientes, e estes podem até ter uma vida pessoal e profissional na normalidade, o que é um alívio para o paciente e para os familiares dele”, constata Pozza.

Medicamentos à base de Cannabis já estão disponíveis nas farmácias. Então, por que as associações em defesa do setor ainda sofrem perseguições? Oferecemos óleo medicinal com certificação e qualidade atestada. Chegou o momento de as autoridades permitirem o direito de escolha dos pacientes pela qualidade e pelo preço mais acessível. Além de todo acolhimento que as entidades oferecem aos pacientes e associados.” – Sandro Pozza

Com o propósito de defender a legalização total das associações, plantios, produção, venda e uma nova cultura em prol da Cannabis Medicinal, Pozza tudo enfrenta para levar informação adequada para o mercado. Diante do processo judicial, ele não recua dos objetivos propostos, acreditando na legalização da planta e na produção de medicamentos com preços mais acessíveis, no Brasil.

Desde 2017, ano de fundação, a Associação Alternativa já auxiliou no tratamento de aproximadamente 500 pacientes, contribuindo na redução de enfermidades sérias. A entidade possui 1.400 associados, entre médicos e profissionais especializados, na área da Saúde, incluindo veterinários. Oficialmente, a Associação Alternativa passou a atuar em 2018, com sede na Praia do Rosa, em Imbituba (SC). E desde então, não parou de crescer.

Estamos todos no mesmo barco. Trabalhos e fazemos tudo corretamente. Mas cada ação representa um novo risco. Porque há muita falta de informação. São as nossas próprias decisões que nos protegem.” – Sandro Pozza

Na intenção de proteger dirigentes e fundadores da entidade, em relação a novos processos, Pozza pretende solicitar sempre autorização para a Justiça, embora o cuidado com esse inquérito esteja no topo das prioridades. Elste lembra que embora exista a permissão para o cultivo no Cannabis, o Brasil nunca aprovou uma lei que regulamentasse esse procedimento. “Tentaremos buscar esta autorização, para que os pacientes possam fazer uso da planta, para os tratamentos. A lei criada em 2006 não considerou a evolução que aconteceu nos últimos anos, não sofreu uma atualização do uso medicinal. Não considerou que o mundo mudou. Tanto que na Universidade de Israel as pesquisas já acontecem há muitos anos”, aponta o advogado.

Para Fábio Elste, o Brasil não está acompanhando o resto do mundo, embora existe no País uma movimentação social. “A medicina brasileira atende sem base para prescrever as doses adequadas, enquanto a economia interna perde em diversos aspectos, seja no cultivo, na evolução da área médica ou na boa saúde de pacientes. Enquanto isso, o mundo evolui, utilizando Cannabis Medicinal no tratamento de diversas doenças. Algumas delas, hoje, só regridem com o uso de canabinóides. E esse reconhecimento só acontecerá com o trabalho de pessoas e entidades com coragem de enfrentar todos os riscos e preconceitos”, aponta o consultor jurídico da Alternativa.

Heróis transformados em bandidos

Desde que a filha autista começou a piorar o quadro de saúde, com a chegada de violentas crises de epilepsia refratária, Norberto Koppes Cruz foi impedido de administrar qualquer outro tipo de remédio encontrado nas farmácias. “Conheci plantadores que ajudaram a produzir um óleo ideal, com a dosagem de THC que minha filha precisava para não ter convulsões”, afirma.

Norberto conta que não consome cannabis, ou seja, não é um “maconheiro” como podem julgar alguns leitores. Porém, ele precisa diariamente do óleo para manter a normalidade em casa, sem o desespero de ver a filha sofrendo. “São muitas as barreiras e burocracias. Ou você importa o medicamento ou você entra na Justiça para garantir o direito à vida”, completa.

Atualmente, o grande dilema de Norberto é encontrar pessoas comprometidas com pacientes, que queiram ajudar cidadãos iguais a filha dele. Koppes procurou por associações em funcionamento ou autorizadas a plantar, porém, o medicamento não surtiu os efeitos esperados. “Com a Associação Alternativa sabíamos que nossa vida poderia mudar para melhor”, admite. Ele se uniu a outras famílias para fundar a Alternativa Cannabis Medicinal, uma associação de pacientes com problemas de saúde – de leve a grave –, para garantir a legislação e o direito ao plantio controlado.

Koppes morava no Rio Grande do Sul e, há alguns anos, foi obrigado a se arriscar para conseguir acesso ao óleo. Atravessou a fronteira para o Uruguai, passou por uma consulta médica, mas não poderia entrar no Brasil com um vidro de 100ml do concentrado de cannabis. Teve a ideia de pedir o envio para o Estado do Acre. Antes de unir esforços com outras famílias para desenvolver a associação de pacientes no Rio Grande do Sul, ele recebia o remédio clandestinamente do Uruguai. O medicamento ajudava na cognição da filha, porém, sem reduzir a quantidade de ataques epiléticos.

Os cultivadores da Alternativa conseguiram chegar nas químicas adequadas e estão ajudando a saúde da minha filha. Mas agora não sei o que fazer, porque testei outros óleos e nenhum foi tão eficiente quanto os vindos das plantas apreendidas pela polícia”. – Norberto Koppes Cruz

Koppes se uniu a mais de 100 famílias de pacientes, sem condições financeiras para pagar R$2.500,00 mensais em medicamentos. Pessoas que entraram com pedido de Habeas Corpus associativo para obter autorização no plantio de Cannabis e extração do óleo. O processo é demorado e nem sempre justo com quem precisa de remédio para vida continuar equilibradamente. “Ninguém é criminoso porque trata pacientes com a cannabis”, desabafa.

Ao ser questionado sobre a Política de Drogas, no Brasil, Koppes afirma que a vida é mais importante do que o encarceramento de quem está focado no bem-estar dos cidadãos. “Apesar de o Estado ainda manter políticas desumanas, as quais confundem o acesso à saúde com o tráfico de drogas, acredito que está começando a se formar uma onda de conscientização maior da população”, finaliza.

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