Judicialização e Cannabis: saiba como funciona a Câmara de Mediação e Arbitragem da Cannabis e Saúde Latino-Americana

Por Lucas Moreira | 13 de agosto de 2021

Foram ajuizadas aproximadamente 3.500 ações pleiteando o acesso à Cannabis Medicinal, em 2018, por pacientes que buscam melhoria na saúde e, em muitos casos, para viver. Já, em 2019, esse número saltou para 8.000 ações. Ano passado, em 2020, foram mais de 16.000 casos. E a tendência é que esses números aumentem, em 2021.

De acordo com levantamento divulgados pelo jornal Folha de S.Paulo, é perceptível que a judicialização é uma tema que tende a crescer no Brasil, à medida que o conhecimento sobre o meio de obtenção do medicamento [produto de Cannabis, segundo a ANVISA] é propagado à população.

Para nos ajudar a entender essa e outras questões, relacionadas à Justiça e Cannabis Medicinal o canal especializado Green Science Times entrevista – com exclusividade – a advogada Ana Carvana, presidente da Câmara de Mediação e Arbitragem da Cannabis e Saúde Latino-Americana (CAMACAN LATAM). Especialista em Direito Regulatório e da Saúde, ela é Mestre em Saúde Coletiva com ênfase em Políticas e Economia da Saúde – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A proposta da Camacan Latam é inédita no Brasil e na América Latina tendo sua atuação pautada na mudança de conceitos sociais e jurídicos sobre as questões relacionada à Cannabis Medicinal e resolução de impasses na Justiça, antes de processos acontecerem. Segundo a especialista, pioneira a focar na temática, “buscar soluções colabora para melhor, pois conspira para uma sociedade mais justa, evoluída e harmoniosa”.

Antes, é bom esclarecer o que é Arbitragem

Trata-se de uma forma de solução de conflitos, prevista em lei, que pode ser utilizada quando em um impasse contratual. A maioria dos conflitos pode ser submetida à arbitragem, exceto questões familiares, criminais ou relativas a impostos.

A arbitragem é regulamentada pela Lei nº  9.307/1996 e, de acordo com o Art. 18 da referida lei, “o árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.”

“A Mediação é um processo voluntário, que oferece àqueles que estão vivenciando uma situação de conflito, o espaço adequado para alcançar uma solução que atenda a todos os envolvidos. Seu objetivo é prestar assistência na obtenção de acordos, em um ambiente colaborativo, onde as partes possam dialogar produtivamente sobre seus interesses e necessidades”, indica a presidente da CAMACAN.

O atrito entre profissionais é mais comum do que se imagina. Muitas vezes, quando o diálogo acaba, hora de pedir ajuda

E, também, quando procurar uma Mediação?

Este é outro artifício jurídico, reconhecido pela Lei nº13.140/2015, que atribui valor jurídico ao acordo celebrado nesses termos (Art. 20, parágrafo único). A CAMACAN LATAM , geralmente, é contratada após o surgimento do conflito, possibilitando, ainda, inserir cláusula de mediação em contratos, para que seja utilizada na hipótese de ocorrência de um eventual conflito.

“A mera inserção da cláusula de mediação não gera ônus financeiro para as partes”, frisa Ana.

E quando é possível buscar ajuda da CAMACAN LATAM, em casos de conflitos?

A Câmara de Mediação e Arbitragem da Cannabis e Saúde Latino-Americana (CAMACAN LATAM) foi fundada em 2020, e utiliza instrumentos de mediação, arbitragem e dispute boards, como alternativas para a resolução de conflitos, principalmente em um cenário de pandemia, onde o judiciário brasileiro está prestes a colapsar, resultando muitas vezes em decisões injustas.

A entidade também possui serviços de consultorias especializadas, como a emissão de pareceres e legal opinion, especialmente na área da Cannabis, voltadas às esferas contratual, cível, regulatória, trabalhista, tributária e administrativa.

A mediação e a arbitragem nos segmentos da saúde e cannabis se mostram instrumentos de resolução cada vez mais imprescindíveis. Ainda de acordo com a presidente da CAMACAN, “por serem áreas muito polêmicas, demandam resoluções ágeis, satisfatórias e menos custosas, com o objetivo de favorecer a sociedade em termos de qualidade de vida e economia”.

Mediar para evitar judicializar: agilidade nas decisões, economia e justiça ampla

Especificamente quanto a Cannabis Medicinal, com o aumento de ações judiciais obrigando seguradoras, planos de saúde, União, Estados e Municípios a fornecerem produtos derivados do canabidiol (CBD), os gestores da saúde encontram-se muito sobrecarregados. Desde 2015, quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) autorizou, pela primeira vez, a importação de produtos com princípio ativo da planta Cannabis para o uso medicinal, os pedidos seguiram em uma escalada, e muitos por meio da proposição de demandas judiciais.

É o que nos conta, nessa entrevista exclusiva, a advogada Ana Carvana, que compõe o Comitê Consultivo e colabora para resolução de conflitos na área da saúde – e, desde 2020, para pacientes, empresas e justiça no Brasil, com planos de expansão das soluções para a América Latina. Acompanhe em detalhes:

Green Science Times (GST): Qual é o papel da CAMACAN no cenário da Cannabis Medicinal/Terapêutica e da Justiça no Brasil?

Ana Carvana (AN) – A Câmara de Mediação e Arbitragem da Cannabis e Saúde Latino-Americana tem por fundamento encurtar os caminhos, juntar os entes que compõem o mercado da Cannabis Medicinal, que está em franco desenvolvimento no Brasil. Existe uma enorme desconfiança, falta de informação sobre os benefícios para saúde.

De outro lado, temos uma quantidade grande de famílias, sobretudo mães de crianças com epilepsia, pacientes com síndrome diversas, que buscam uma melhor qualidade de vida. Juntar esses elos encurtando o caminho no acesso à Cannabis Medicinal, seja na resolução de conflitos com planos de saúde ou SUS, seja na intermediação das empresas do mercado. A CAMACAN nasceu por necessidade de um órgão que se dedicasse exclusivamente a esses fins.

Ana Carvana: “Buscamos soluções para melhorara as relações e gerar uma sociedade mais justa, evoluída e harmoniosa ao mediar conflitos

GST – Como entender a Câmara para solucionar conflitos na área da saúde?

AN – Quando um conflito jurídico ou comercial existe, há todo um desgaste inerente. Ninguém gosta de conflito, mas por vezes os atores não se entendem. A mediação visa colocar na mesa as diferenças de um conflito, lançar um olhar conjunto sobre os problemas dos dois lados e buscar soluções. A câmara atua dessa forma buscando o entendimento entre as partes de um conflito. 

GST – Você é conhecida por quais perfis de casos de sucesso jurídicos para quem precisa da Cannabis Medicinal, para uso terapêutico?

AN – As especialistas, em conformidade com a Justiça, legislação brasileira e com apoio das Resoluções da ANVISA tem consigo limares e decisões judiciais favoráveis e inovadoras, para a cobertura do tratamento à base de Cannabis, tais como as coberturas para casos de epilepsia, Parkinson, fibromialgia, esclerose, câncer e em sede de home care. Tenho conseguido maior diálogo com algumas (ainda poucas) empresas e planos de saúde para que passem a olhar esses pacientes e esse novo mercado.

GST – Empresas e Pessoas Físicas podem se beneficiar de que forma com a mediação da CAMACAN?

AN – Na área de resolução de conflitos, as empresas podem reduzir os gastos de tempo e pessoal nas questões jurídicas. Na parte comercial, a câmara funciona como esse elo entre as empresas, as quais poderão receber uma consultoria na intermediação.

Em relação às pessoas físicas, a câmara de arbitragem funciona como espaço de atendimento e sugestão de melhor acesso aos produtos de Cannabis para uso medicinal. Importante informar que, para pessoas físicas, não atuamos como consultoria médica, evitando conflitos de interesse.

Os produtos à base da planta Cannabis devem ser prescritos por médicos, em casos específicos e sob a tutela da Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). O trabalho da equipe de profissionais da CAMACAN é facilitar e reduzir a distância entre pacientes e médicos, para que possam prescrever os produtos à base de Cannabis se for o caso. 

GST – Quais soluções são oferecidas para o ecossistema da Cannabis Medicinal na América Latina?

AN – Acreditamos que os atores da Cannabis na América Latina têm muito a contribuir uns com os outros. Há um enorme espaço de oportunidade de aprendizado, além de muita troca de informações técnicas, nesse sentido. 

Ainda estamos iniciando esse processo na região, além do Brasil. Está no DNA da Câmara de Mediação e Arbitragem da Cannabis e Saúde Latino-Americana esse tipo de atuação. Não tem porque o Brasil, com as suas dimensões e mercado, estar fora ou não estar profundamente nessa questão, que envolve saúde, justiça, direito de acesso, além de outras situações em torno.

GST – Como enxerga o papel da mediação entre Estados, empresas, associações de pacientes e os próprios pacientes?

AN – Muitas vezes o paciente com epilepsia, por exemplo, sofre com convulsões constantes e não sabe que existe uma possibilidade de tratamento com óleo canabidiol, THC e outras químicas benéficas na planta Cannabis, por estar proibida há mais de 80 anos no Brasil.

As associações fazem um excelente trabalho informativo e de aproximação, mas ainda não é suficiente porque a maior dificuldade do mercado é o acesso, juntar o paciente que precisa, o médico que porventura não esteja totalmente ciente dos benefícios e os planos de saúde – que também ficam inseguros num mercado novo. A câmara busca desatar esses nós.

Conheça mais: Câmara de Mediação e Arbitragem da Cannabis e Saúde Latino-Americana (CAMACAN LATAM)

(Colaborou para a edição Thiago Ermano)

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