Sem mandato, polícia armada invade sede da ABRACANNABIS, após ‘denúncia anônima’ do deputado Rodrigo Amorim (PSL-RJ)

Por Mônica Figuerôa e G1 | 14 de julho de 2021

No dia 12 de julho, a sede da associação de pacientes de Cannabis Medicinal ABRACANNABIS teve sua sede vasculhada, sem autorização judicial. Importante informar que a sede da ONG fica na casa do diretor da entidade, Pedro Zarur, e ele tem um habeas corpus para plantio, mas não havia nenhum plantio, informaram as autoridades policiais.

Está no site da ABRACANNABIS: “…defendemos o direito ao cultivo individual e coletivo com o objetivo de garantir e promover a saúde, o autocuidado e o bem estar social”. Sugere-se ilegalidade? No caso, o denunciante e deputado Rodrigo Amorim (PSL-RJ) acredita que frases como esta possa gerar “intenção de oferecer drogas a adolescentes”, o que não consta como motivo da causa central da ONG carioca. Mas vamos aos fatos.

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Pedro Zarur, que divulga o uso e as aplicações da Cannabis para uso terapêutico e medicinal, informou que a sede da ABRACANNABIS foi alvo de uma operação policial na segunda-feira (12), após receberem uma denúncia diretamente do gabinete do deputado Amorim.

De acordo com notícias do portal G1, Amorim teria denunciado que havia “plantação de maconha no local”. E o que o motivou a fazer a denúncia foi um texto no site da associação no qual ela afirma que a associação: “luta pela democratização no acesso a todas as formas de uso do vegetal cannabis”.

Zarur disse, ainda, que o deputado Amorim tem total consciência e informação do que se trata o trabalho da associação de pacientes, já que em abril deste ano ele mesmo fez campanha pública contra um projeto de lei para que a entidade não fosse considerada de utilidade pública.

Imagem mostra pacientes e associados da ABRACANNABIS no Rio

“As autoridades sabem que a sede da associação funciona na minha casa, e tenho um habeas corpus para cultivar, já que sou paciente medicinal. Trato dores crônicas, sequelas de uma poliomielite. Mesmo assim, minha casa foi alvo de operação policial, sem mandado, sem informação sobre o procedimento.

Zarur da ABRACANNABIS conta, ainda: “Minha filha teve que abrir a porta para três policiais armados entrarem com fuzil, e que só foram embora depois de ver que não tinha cultivo nenhum aqui. Por acaso não tinha, não estou plantando no momento, mas posso para o meu tratamento. A lei me garante”.

O diretor da entidade informa que não faz cultivo de cannabis, não comercializa o óleo medicinal e que tem seu trabalho reconhecido por entidades de pesquisa como a Fundação Oswaldo Cruz, o Instituto Fernandes Figueira, UFRJ e Vital Brazil.

“Fica parecendo que é mais um uso político da nossa polícia, já que não existe um inquérito ou qualquer denúncia contundente que embase uma operação para constranger quem trabalha voluntariamente pela saúde das pessoas”, diz Zarur.

Delegacia de Combate às Drogas (DCod), confirma a ação, mas diz que tudo foi dentro da lei:

“Querem politizar uma ação rotineira da polícia. Houve uma denúncia e dela foi instaurada uma verificação preliminar de informação (VPI). Uma equipe foi deslocada para verificar as informações. No local, a dona do imóvel, por escrito, autorizou a entrada. Foi constatado que se tratava da sede de uma ONG e que não havia cultivo da planta no local. O mandado só é necessário para ingresso em propriedade particular quando não há a autorização do proprietário”, explicou o delegado Marcus Amim, à frente da especializada.

O deputado Rodrigo Amorim, por meio de sua assessoria, também confirmou a denúncia feita por meio de um ofício remetido à Secretaria de Polícia Civil. De acordo com ele, o gabinete teria recebido uma denúncia anônima de que no site da associação há um trecho na qual em sua visão, missão e valores especifica a “luta pela democratização no acesso a todas as formas de uso do vegetal cannabis”.

A alegação do deputado do Rio de Janeiro é que “pareceu a este gabinete que uma causa nobre, o uso terapêutico de medicamento à base de cannabis, não pode ser pretexto para uma outra causa abjeta: o uso recreativo da maconha por jovens. Daí, o ofício solicitando que a Polícia Civil abrisse uma investigação – sobre a qual o gabinete não tem absolutamente nenhuma ingerência”, argumentou sem evidências conclusivas, mas opinativa.

Depois, em suas redes sociais, o deputado escreveu: “Uma coisa é defender pesquisas de propriedades reconhecidas como terapêuticas, outra completamente diferente é usar essa ‘fachada’ para ‘democratizar todas as formas de uso’. A questão aqui é o desvio de finalidade da instituição e que precisa ser investigado. Se tudo estiver certo, ok”, escreveu.

Para Diogo Tebet, presidente da Comissão de Direito Penal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RJ), uma denúncia anônima não pode servir como base para a ação policial.

“É necessário que, a partir da denúncia, seja realizada uma investigação para identificar indícios do crime. E se a investigação demonstrar a necessidade de obtenção de provas ou de buscas em locais privados, o procedimento formal é que seja encaminhado um pedido de mandado para a Justiça”, afirmou Tebet.

Ainda de acordo com ele, a autorização do proprietário dada aos agentes na porta de casa é “altamente discutível do ponto de vista legal”.

“Os tribunais veem esse tipo de operação, sem decisão judicial, de forma bastante crítica. Nessas situações, muitas pessoas não tem o discernimento de pedir um mandado e são levadas a autorizarem a entrada. Então o Superior Tribunal de Justiça já vem determinando que essa decisão deve ser com consentimento livre, sem coação, formalmente informado unicamente pelo titular da residência”, disse o advogado.

Já o advogado criminalista Marco Túlio Eboli afirma que, para a realização de operações sem mandado, é necessária uma verificação prévia da denúncia para evitar eventuais constrangimentos e ilegalidades.

“O crime de tráfico, apesar de permitir a realização de buscas sem mandado, por se tratar de crime de natureza permanente, exige que a entrada policial em domicílio seja amparada por razões fundamentadas, verificadas previamente. Assim, evita-se que a pessoa tenha sua casa ocupada por agentes armados de maneira desnecessária. Esse procedimento serviria também, por exemplo, para descobrir se existe decisão judicial que permita o plantio de cannabis exclusivamente para fins medicinais naquele local”, afirmou o advogado.

Sobre a autorização dos proprietários para a entrada dos policiais no imóvel, ele diz que o consentimento por escrito é suficiente, mas que existe uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que sugere a filmagem das operações para evitar entradas abusivas, ilegalidades durante a operação, e para ratificar a autorização oral ou por escrito.

* Colaboraram Eliane Santos e Filipe Brasil do G1-RJ

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