Cannabis e Educação

Por Agatha Cardoso | 14 de abril de 2023

Esse conteúdo faz parte da série “Cannabis: Conhecimentos Científicos made in Brazil”, em que o site Green Science Times reproduzirá artigos técnicos e científicos, produzidos por especialistas que compõem o Grupo de Trabalho Farmacêutico da Associação Brasileira das Indústrias de Cannabis (ABICANN).

Nos créditos, acima e no final da página, será possível que você conheça um pouco mais sobre os perfis destas e destes profissionais, que contribuem para orientação de interessados em pesquisas, ciências, saúde e inovações com a planta Cannabis sativa. Acompanhe o artigo desta edição.

Autores: Micheline Donato, Francisney Nascimento, Katy de Albuquerque

Coordenação: Fábio de Oliveira Costa Junior.

INTRODUÇÃO

Os relatos históricos etnofarmacológicos têm revelado o uso milenar da planta Cannabis sativa para diversos fins terapêuticos desde seus primeiros relatos na Ásia Central, na região do Himalaia, se espalhando para diferentes regiões como a Índia, Ásia Menor, norte da África até se disseminar para o resto do mundo (KUMAR et. al., 2020). Os primeiros registros fósseis para uso medicinal foram datados de 315 – 392 d.C. (ZIAS, et. al., 1993). A chegada da planta na Europa ocorreu por seu uso medicinal e social no século XIX (KALANT, 2001). O primeiro registro de C. sativa L. como planta medicinal pelo médico inglês O’Shaughnessy foi publicado em 1843, e descreveu o uso de extratos vegetais para tratar pacientes que sofriam de tétano, hidrofobia e cólera (HUSSAIN, et. al., 2021), e seu uso foi disseminado em diversos países dos diferentes continentes.

A política proibicionista do uso e conhecimento sobre a Cannabis sp. se inicia nos Estados Unidos nas décadas de 1930 e 1940, e se fortalece quando a Agência Antidrogas dos Estados Unidos classifica a planta como uma substância controlada (Anexo I), com um alto risco de uso indevido sob a Prevenção Abrangente do Abuso de Drogas e Lei de Controle, de 1970 devido à falta de protocolos de segurança adequados sob a orientação de um especialista em saúde. Adicionalmente, em levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) a Cannabis sp. aparece como uma planta ilegal comumente cultivada, vendida e abusada em todo o mundo. Por outra via, somente após 1996, quandoo estado da Califórnia aprova o uso medicinal da Cannabis sp., é que as investigações científicas e publicações começaram a ganhar força, colocando em evidência o sistema-alvo dessa planta – o Sistema endocanabinoide (SEC) (KOGAN & MECHOULAN, 2007; KUMAN, et. al., 2020; HUSSAIN, et. al., 2021)., com o primeiro isolamento do fitocanabinoide mais abundante e com propriedades psicoativa, psicotrópica e medicinal, o Δ9-tetraidrocanabinol (Δ9-THC), em 1963, bem como a descoberta do primeiro receptor canabinoide, o receptor CB1 (1988), abundante no Sistema nervoso central, que é alvo terapêutico de muitas neuropatologias (KOGAN & MECHOULAN, 2007; RUSSO, et. al. 2016).

No Brasil, a chegada da planta se deu com os africanos escravizados e seus usos tradicionais e ritualísticos, enraizando os costumes e conhecimentos sobre essa planta e diversas ervas. Embora tenha repercutido num ganho no conhecimento tradicional, que é a educação passada através da ancestralidade, por volta de 1924 iniciou-se no país a “demonização da planta”, que aconteceu com a participação do delegado Dr. Pernambuco Filho, após sua ida à II Conferência Internacional do Ópio, o que deixou silenciado por décadas estudos e pesquisas acerca do seu uso terapêutico. Apenas por volta de 1980, o Prof. Dr. Elisaldo Carlini (in memorian) publicou os primeiros artigos apontando a Cannabis e o canabidiol (CBD) com sua potencial utilidade no tratamento de casos de epilepsia (CUNHA et. al., 1980). As publicações em jornais e artigos científicos passaram a crescer exponencialmente a partir de 1996, sendo cerca de 20 mil nos anos 2000 e atingindo a casa dos 40 mil em 2021(HUSSAIN, et. al., 2021).

Os impactos do banimento e ilegalidade dessa planta repercutem até hoje na desinformação sobre a Cannabis sp. e seus diversos benefícios na medicina, farmácia e indústria, assim como na educação, devido a falta de formação qualificada de profissionais na área da saúde e outras áreas ligadas a agricultura, indústria e comércio. A carência de informação formal e informal, além da limitação do conhecimento e acesso a esse tipo de conteúdo na academia, em nível de graduação e pós-graduação gera um “efeito antagonista”, prejudicando a formação de novos profissionais qualificados da área de saúde, tais como médicos e farmacêuticos, que em grande parte deixam de prescrever e atuarem na área da terapêutica da Cannabis medicinal perdendo espaço no mercado.

Hoje diversas patologias podem ser tratadas utilizando a Cannabis sp. como uma alternativa terapêutica complementar ou de primeira escolha para casos refratários de distúrbios neurológicos, neurodegenerativos, neuropsiquiátricos, metabólicos, cardiovasculares, autoimunes, nociceptivos, oncológicos, e até na COVID-19, sendo muitas vezes a única farmacoterapia eficaz capaz de melhorar o prognóstico e a qualidade de vida do paciente e da sua família. Logo, o que fazer para preparar os profissionais que enveredam na prescrição, atenção farmacêutica, farmacovigilância dos produtos à base de Cannabis? Como educar esses profissionais em relação às doses a serem prescritas (posologia), eventos adversos, interações medicamentosas, prescrição? É possível direcionar esses profissionais para algum caminho promissor na área da Cannabis e preencher lacunas? Há outras possibilidades e vias de acesso à informação em Cannabis? É possível educar de forma informal? Eis o nosso desafio nesse capítulo!

Nessa perspectiva, o Farmacêutico exerce um papel essencial, sendo um profissional que pode atuar orientando médicos e demais profissionais da saúde, além da população que faz uso da Cannabis medicinal no que diz respeito às interações dos produtos à base de Cannabis com outros medicamentos, ao melhor local de armazenamento, na escolha ideal usá-los perto ou longe dos alimentos e dos medicamentos, qual melhor tipo de alimento pode ser consumido junto com os produtos à base de Cannabis, os mecanismos de ação dos fitocanabinoides em seus alvos farmacológicos no corpo humano, dentre outras dúvidas. Também pode auxiliar os Médicos em suas prescrições com os fitocanabinoides isolados, em associação ou na forma de extratos full spectrum e broad spectrum durante a titulação das doses, quanto ao intervalo mais adequado para administrá-las e ajudar outros profissionais de saúde a entender melhor o potencial terapêutico dessa planta.

Trazer também ao Leitor os caminhos e possibilidades que a educação, no seu estado da arte, pode alcançar! E, obviamente, é indispensável relatar sobre educação em Cannabis em outros países, principalmente àqueles que alçaram voos pioneiros na legalização da terapêutica canábica, bem como os estudos nesse Mainstream, na pluralidade desse universo da medicina, farmacêutica, indústria, negócios, academia, esporte, propriedade industrial, jornalismo, profissional.

Ao final desse capítulo o Leitor terá uma visão geral sobre a importância desse tema na atualidade. Quais caminhos educativos poderão possibilitar a aquisição de informações seguras e confiáveis? Em quais instituições brasileiras de ensino já ocorre uma capacitação profissional adequada e colocam essa temática em evidência, no currículo da graduação (em especial nos Cursos de Farmácia e Medicina) e nas Pós-graduações? Quais são os polos de ensino e pesquisa que estão desenvolvendo conhecimento teórico e prático com a pesquisa acadêmica em Cannabis? Sobretudo, o Leitor será capaz de desenvolver um pensamento crítico e científico acerca da educação em terapêutica canábica, quer seja aprimorando seu vocabulário técnico ou desmistificando o preconceito e a desinformação. Sejam todos muito Bemvindos!…Bien venidos!.. Welcome!

EDUCAÇÃO, FARMACOLOGIA E O ENSINO SOBRE O SISTEMA ENDOCANABINOIDE (SEC)

O ensino tradicional de Fisiologia, Farmacologia e Medicina se apoia, há mais de um século, sobre os sistemas de neurotransmissores, hormônios e mediadores. Neste caso, são poucos medicamentos que de alguma forma não interagem com os sistemas colinérgico, noradrenérgico e serotoninérgico quando falamos de neurotransmissores. Ainda, corticoides e contraceptivos atuam sobre liberação ou modulação de hormônios. Os fármacos mais usados no mundo, os AINES (anti-inflamatórios não-esteroidais) atuam inibindo a formação de mediadores inflamatórios. Ou seja, o estudo dos sistemas endógenos de comunicação é trivial para pensarmos e entendermos a farmacoterapia e aplicabilidade na clínica médica. Nesse enredo histórico científico-filosófico-medicinal é importante compreendermos o ponto de partida, a trajetória e a linha de chegada.

Desde o início da civilização os povos pré-históricos já reconheciam os efeitos benéficos e tóxicos de muitas plantas e materiais de origem animal. Os primeiros registros escritos da China e do Egito mostram o uso de remédios de origem natural que ainda são reconhecidos como fármacos ainda utilizados atualmente. Em relação ao uso de plantas com fins terapêuticos, os primeiros relatos foram na escrita cuneiforme, originária da Mesopotâmia e datada de 2.600 a.C., e inclui o óleo de cedro (Cedrus sp.), alcaçuz (Glycyrrhiza glabra), a mirra (Commiphora sp.), papoula (Papaver somniferum), entre muitos outros derivados de drogas vegetais. Na obra chinesa Pen Ts’ao (“A grande fitoterapia”), de ShenNong, de 2800 a.C., sendo reconhecidamente o fundador da medicina chinesa, pois a ele são atribuídas as virtudes da descoberta das drogas vegetais e a capacidade de experimentar venenos, estabelecendo a arte de criar ervas medicinais.

O papiro de Ebers, considerado um dos mais antigos e importantes tratados médicos conhecidos, foi escrito no antigo Egito (1550 a.C). Enumera em torno de 100 doenças, descreve um grande número de produtos naturais e 800 fórmulas mágicas e remédios populares, incluindo extratos de plantas, metais, como chumbo e cobre, e venenos de animais de várias procedências. Na antiga Grécia, grande parte da sabedoria sobre plantas deve-se a Hipócrates (460–377 a.C.), denominado o “pai da medicina”. Ele afirmava que o tratamento para muitas doenças poderia ser feito por meio da dieta alimentar adequada e que, para uma prescrição mais exata, deveria conhecer os elementos e as propriedades dos constituintes dessa dieta.

Mais adiante, Claudius Galeno (129–216 d.C.), médico, filósofo grego e considerado o “pai da farmácia”, foi o primeiro grande observador científico dos fenômenos biológicos. Ele catalogou e ilustrou cerca de 600 diferentes plantas usadas para fins medicinais, descrevendo o emprego terapêutico de muitas delas, sendo muitos os nomes por ele apresentados ainda hoje usados na botânica. Nessa mesma perspectiva, um dos principais responsáveis pelo avanço da terapêutica foi Philippus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim (1493-1541) famoso médico, alquimista, físico e astrólogo suíço, mais conhecido como Paracelso. Este impulsionou as bases da medicina natural, afirmando que cada doença específica deveria ser tratada por um tipo de medicamento.

No final do século XVII a observação e experimentação começam a substituir a teorização da medicina – surge a matéria médica, que seria a preparação do fármaco e uso medicinal deste sendo precursora da farmacologia. Porém, a compreensão dos mecanismos de ação dos fármacos não era o foco porque não havia métodos para purificar os agentes ativos e das matériasprimas e como testá-los. Já no final do século XVIII e início do XIX os fisiologistas François Magendie e Claude Bernard iniciaram o desenvolvimento de métodos da fisiologia e farmacologia animal experimental. Em 1878 marcou o primeiro uso de uma fórmula estrutural para descrever um composto químico. E Emil Fischer, em 1894, forneceu explicação racional do modelo chave e fechadura, para explicar o modo de ação das drogas, sendo a chave o fármaco e a fechadura o receptor.

No final do século XIX início do XX os avanços da química sintética permitiram a obtenção de produtos isolados da matéria-prima – os princípios ativos – que passaram a ser preferidos aos extratos brutos, começou a revolução da indústria farmacêutica e da farmacologia. Novas drogas sintéticas começaram a aparecer, como barbitúricos e anestésicos locais, e uma intensa proliferação de moléculas terapêuticas. Em paralelo, o progresso da fisiologia em relação aos mediadores químicos permitiu um estudo da interação entre substâncias químicas e os sistemas vivos.

Em 1905, Langley lançou o conceito de “receptor” para os mediadores químicos, que fundamentou mais adiante o estudo de uma área importante da farmacologia – a farmacodinâmica. Nessa mesma época, Paul Ehrlich, em 1909, considerado o pai da quimioterapia descobriu e sintetizou compostos químicos arsenicais que apresentam toxicidade contra determinados agentes infectantes, tais como a bactéria Treponema pallidum, causadora da Sífilis.

Alguns avanços no tratamento de infecções ocorreram com a descoberta dos antibióticos, sendo em 1928 a penicilina, por Alexander Fleming e o primeiro agente antimicrobiano utilizado, as sulfonamidas por Gerhard Domagk (1935). A partir dos anos de 1980 a biotecnologia surgiu como uma ferramenta importante para a criação de novos agentes terapêuticos na forma de anticorpos, enzimas e várias proteínas reguladoras como hormônios, fatores de crescimento e citocinas – os biofármacos.

A partir dos anos 1990, houve uma verdadeira revolução sobre os estudos farmacológicos envolvendo os eventos de neurotransmissão, sendo descoberto o novo sistema neurotransmissor – o sistema endocanabinoide (SEC), ainda hoje muito negligenciado. Há diversas razões para o SEC ter sido estudado e elucidado apenas recentemente, assim como, para ainda ser pouco divulgado mesmo dentro da academia. Um momento importante para descoberta do SEC ocorre em 1964, em Jerusalém – Israel, quando o professor Raphael Mechoulan (in memorian) isola e elucida a estrutura química do ∆-9-tetraidrocanabinol, mais conhecido como THC. Além disso, o professor Mechoulan também comprova que é o THC o princípio ativo responsável pelos principais efeitos farmacológicos da Cannabis distribuindo pedaços de bolo de chocolate com adição de THC a um grupo de amigos (ver documentário: The Scientist: (https://www.ufpb.br/pexcannabis/contents/videos/ocientista-the-scientist-legendado-em-portugues).

A demonstração de que uma única molécula isolada da Cannabis sp. era responsável pelos principais efeitos promovidos pela planta, sugere que em nosso organismo haveria um “receptor” para esta molécula, dentro do conceito chave e fechadura, já trazido por Langley. Assim, inicia-se a busca por este receptor que finda apenas nos anos 90, quando são descobertos em sequência os receptores CB1 (1990) e CB2 (1993). Logo, considerando que possuímos receptores -proteínas de membrana – específicos para o THC, automaticamente surge uma conclusão: se possuímos receptores para o THC provavelmente os temos para receber a ligação de algum “THC” endógeno! Afinal, toda proteína receptora se desenvolve para receber uma comunicação (um ligante endógeno). Desta forma, rapidamente são investigados os dois principais endocanabinoides, a anandamida (AEA), em 1992 e 2-araquidonoil-glicerol (2-AG), em 1994, que se ligam aos receptores CB1 e CB2. No mesmo período, enzimas sintetizadoras e degradadoras de endocanabinoides são elucidadas (1993), e basicamente o SEC é conhecido na sua forma completa.

Porém, foi entre 1937-1996 que houve um período obscuro na educação, devido a maior restrição legal e os estudos com a Cannabis começaram a crescer a partir de 1996, quando o estado da California aprovou a Cannabis medicinal. Em 2005 foi comercializado o primeiro spray inalatório a base de Cannabis (Perras, 2005; Pain, 2015). E em 2011, o primeiro desing do genoma da Cannabis (van Bakel et al., 2011).

Hoje sabe-se que o SEC apresenta como alvo-farmacológico e terapêutico não apenas os seus clássicos receptores CB1 e CB2, mas também exerce uma ampla e promíscua comunicação com outros receptores, dentre eles os receptores de potencial transitório (TRPs) do tipo canais iônicos, o TRPV1, TRPA e TRPM8, os receptores proliferadores peroxissomais do tipo nucleares, o PPARα e PPARγ, os serotoninérgicos 5-HTA, dopaminérgicos D1-3, os receptores órfãos GPR 18, 55, 119 compondo o que foi denominado em 2013 pelos pesquisadores Maione, Costa e Di Marzo (Itália) de “Endocanabinoidoma”, um sistema complexo que inclui também vários mediadores endocanabinoides, enzimas metabólicas e alvos moleculares, tais como os citados acima. Isso justifica o uso da terapêutica canábica para patologias distintas, além de evidenciar os fitocanabinoides com mais de um mecanismo de ação, como ocorre com o CBD, e de abrir possibilidades para o desenvolvimento de novas drogas sintéticas canabinoides multialvos, garantindo uma maior eficácia na terapêutica (figura 1). (MAIONE, COSTA, DI MARZO, 2013).

No Brasil, a Cannabis ganhou evidência em 2014 com o caso da menina Anny Fischer que sofria de uma doença rara e grave denominada encefalopatia epilética infantil precoce tipo 2 (EIEE2)1 que decorre de mutações no gene CDLK5 (Cyclin-dependent kinase-like 5), com 80 convulsões/semana. (BURGATI. RJLB, Ano 2 (2016), nº 4;

Figura 1. Linha do tempo sobre as descobertas da Cannabis medicinal e do SEC. Fonte: DONATO, MF, 2022.

Porém, nos últimos anos especialmente após o início da pandemia da COVID-19, a Cannabis medicinal ganhou fôlego, causando em muitos países e também no Brasil uma revolução no interesse farmacêutico, médico, acadêmico e da população de forma geral sobre medicamentos canabinoides que podem tratar muitas doenças que carecem de fármacos eficazes. Cada vez mais nos diferentes meios de comunicação informam à sociedade sobre o uso eficaz de fitocanabioides em diferentes patologias. E dessa forma, dezenas de cursos de pós-graduação, cursos livres de aperfeiçoamento tem surgido no Brasil, pois é ávido o interesse de profissionais da saúde em entender este sistema e os medicamentos que atuam sobre ele.

CANNABIS E A EDUCAÇÃO FORMAL NAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR (IES)

Diante de tantos achados científicos fica evidente a necessidade de informação aos muitos pacientes acometidos por doenças graves e intratáveis com a terapia convencional, além da formação de diversos profissionais de saúde para a prescrição e conhecimento sobre o efeito terapêutico da planta Cannabis sp. e de seus constituintes. Nesse âmbito, o Farmacêutico pode ser o profissiona lchave responsável por essa integralidade, o que gera uma necessidade urgente e crescente da busca por uma Educação Farmacêutica de qualidade na área da medicina canabinoide em nosso país.

No Brasil ainda há poucos cursos em nível de graduação que abordam essa temática nas universidades públicas brasileiras, garantindo uma formação gratuita e de qualidade a esses profissionais.

Em nível de graduação, disciplinas específicas sobre o SEC e medicamentos fitocanabinoides foram implementadas e podem ser citadas como exemplo, sendo uma na Universidade Federal da Paraíba (UFPB – campus I, João Pessoa/PB), outra na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA – Foz do Iguaçu/PR) e na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC – campus Curitibanos). Na UFPB, a disciplina é ofertada para os cursos de graduação em Farmácia, Biomedicina e Medicina e na UNILA para o curso de Medicina. Já na UFSC, a disciplina faz parte da grade curricular do curso de Medicina Veterinária.

Como criar uma disciplina para Cursos de Saúde da Graduação com introdução de conteúdo do SEC em IES?

Na UFPB a disciplina optativa “SISTEMA ENDOCANABINOIDE E PERSPECTIVAS TERAPÊUTICAS DA CANNABIS SATIVA L. E SEUS DERIVADOS”, com carga-horária de 30 horas, e que está vinculada ao curso de graduação em Biomedicina, mas que também é ofertada para os cursos de graduação em Farmácia, Medicina, Odontologia, Enfermagem e outros cursos da área da saúde humana.

Como exemplo adotado na UFPB pode ser ilustrado abaixo as etapas de como criar uma disciplina sobre o uso terapêutico da Cannabis em universidades públicas. Para esta finalidade é importante seguir alguns passos, conforme elencados no fluxograma 1.

Para comprovação da demanda da disciplina foi realizada uma pesquisa entre os alunos dos cursos de saúde da UFPB sobre a importância de se ter no currículo uma disciplina como essa. Como resultado, 100% dos alunos entrevistados consideraram bastante relevante ter uma disciplina com essa temática no currículo de seus cursos.

Em seguida, foram coletadas assinaturas dos alunos interessados em fazer parte do processo instituído de criação da disciplina, tornando o processo mais robusto para seguir pelas instâncias da Universidade à criação de uma disciplina de graduação. A primeira instância foi o Núcleo Docente Estruturante (NDE), com o objetivo de dar um parecer sobre a proposta, e em seguida encaminhá-la ao colegiado do Curso de Biomedicina, ao qual essa disciplina está vinculada.

A escolha de criar uma disciplina como optativa se deu para permitir que qualquer aluno da Instituição pudesse cursá-la, uma vez que se ela fosse de cunho obrigatório apenas os alunos do curso ao qual ela estivesse vinculada poderiam cursá-la. Dessa forma, como nosso maior intuito, ao criar a disciplina foi multiplicar o conhecimento sobre esse tema dentro da Instituição, a escolha de deixar a disciplina como optativa foi mais interessante, garantindo a acessibilidade do conteúdo de alunos de modo multiprofissional. É importante ressaltar que essa disciplina teve aprovação unânime em todas as instâncias e após toda tramitação e aprovação da proposta pelo CONSEPE , esta foi ofertada para todos os cursos da área de saúde, da UFPB, a partir do ano de 2019, sendo a disciplina com maior número de alunos matriculados no Departamento de Fisiologia e Patologia e a primeira no país ofertada em uma universidade pública.

Fluxograma 1. Etapas para criação e implantação de uma disciplina sobre Cannabis medicinal em universidades públicas no Brasil.

No plano de curso da disciplina “SISTEMA ENDOCANABINÓIDE E PERSPECTIVAS TERAPÊUTICAS DA CANNABIS SATIVA L. E SEUS DERIVADOS” foram contemplados os itens elencados abaixo:

EMENTA: Aspectos gerais, importância, funções, regulação e Fisiologia completa do Sistema Endocanabinoide. Ação de fármacos
agonistas e antagonistas dos receptores canabinoides e não canabinoides, substâncias que atuam sobre o sistema endocanabinoide e suas repercussões clínicas. Perspectivas terapêuticas da Cannabis sativa e seus derivados em diferentes doenças, enfatizando a fisiopatologia, manifestações clínicas e tratamento. Aspectos regulatórios da Cannabis sativa e de seus derivados no tratamento de diversas doenças.

OBJETIVO GERAL: Introduzir conhecimentos sobre o Sistema Endocanabinoide e sua relação com diversas doenças, além de ampliar os estudos farmacológicos sobre os canabinoides (endógenos e exógenos), com ênfase nas manifestações clínicas, tratamento e possíveis interações medicamentosas.

OBJETIVO ESPECÍFICO: Ao final da disciplina, o estudante deve ser capaz de:
Identificar a importância do Sistema Endocanabinoide na regulação de outros sistemas presentes no organismo e sua implicação com o aparecimento de diversas doenças;
Conhecer os mecanismos de ação dos canabinoides endógenos e exógenos, fármacos agonistas e antagonistas dos receptores canabinoides e não canabinoides, enfatizando a farmacocinética e as possíveis interações medicamentosas que envolvam essas substâncias.

HABILIDADES E COMPETÊNCIAS: Essa disciplina encontra-se articulada com as bases legais e concepção de formação profissional que favoreça o desenvolvimento de habilidades e competências necessárias ao exercício da capacidade de observação, criticidade e questionamento, sintonizado com a dinâmica da sociedade nas suas demandas locais, regionais e nacionais.

Além da disciplina sobre Cannabis Medicinal para os cursos de saúde humana, também foi criado o PEXCANNABIS, um Programa de Ensino, Pesquisa e Extensão em Cannabis Medicinal, que visa realizar uma educação continuada nesse tema para alunos do curso de saúde humana, como exemplo o curso de Farmácia, e inserir esses alunos em projetos de Pesquisa e Extensão Acadêmica através de cursos e palestras envolvendo essa temática, para profissionais de saúde que atuam em Unidades Básicas de Saúde (UBS) e em outros estabelecimentos de saúde, aos pacientes e familiares que usam produtos canabinoides, aos alunos de outras IES e para a sociedade em geral. Após o sucesso do PEXCANNABIS UFPB, essa ideia foi levada para a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), com a criação do PEXCANNABIS UEPB, na perspectiva de disseminação dessa proposta para demais instituições de ensino superior.

Já na UNILA, a disciplina se chama “ENDOCANABINOLOGIA E MEDICINA CANABINOIDE”, sendo voltada especificamente para alunos de graduação de Medicina. Neste curso, o foco é permitir ao aluno entender o SEC como um grande alvo terapêutico para modulação visando terapias de diversas doenças. Busca-se relacionar o SEC à fisiologia humana, principalmente no que se refere à neurofisiologia e inflamação, e buscar evidências de que a sua desregulação pode estar envolvida em parte nos distúrbios patológicos, principalmente relacionados à neurologia e psiquiatria, além da reumatologia.

Na UFSC – campus Curitibanos, o curso de Medicina Veterinária também possui uma disciplina para estudar o SEC e os canabinoides. Embora ainda não seja regularizada a prescrição de canabinoides para animais no Brasil, diversos grupos e profissionais já estudam e fazem pesquisa na medicina veterinária, como é o caso do grupo da UFSC. Nesse contexto, faz-se necessário destacar, que na maioria dos animais, principalmente mamíferos, a fisiologia animal assemelha-se à fisiologia humana, portanto, grande parte dos medicamentos da clínica humana também são eficazes em animais vertebrados, e os medicamentos canabinoides não são diferentes, e também podem funcionar na veterinária, uma vez que há presença do SEC no SNC de animais, se tornando uma perspectiva farmacêutica interessante no tratamento de patologias, e portanto, importante para a formação profissional (quadro 1).

Em relação à Pesquisa com Cannabis sp. e os canabinoides, várias Universidades e Instituições de Pesquisa do país estão trabalhando com esse tema há alguns anos, dentre elas a UNIFESP, UFPB, UEPB, USP, UFRJ, UFRPE, UNIFAP, UFSC, UFPE, UFRN, UFBA, UFSJ, UFG, UNB, UNICAMP, UEM, UNILA, UFMG, Fiocruz, dentre outras. A UNILA e UFSC na perspectiva da pesquisa clínica e a UFPB nas perspectivas de pesquisa não-clínica e clínica.

É importante considerar que esse tema precisa ser tratado desde a graduação para formar profissionais capacitados, com embasamento científico, através da medicina baseada em evidências, para auxiliar à população que cada vez mais busca informações sobre os potenciais terapêuticos da Cannabis medicinal para melhorar a qualidade de vida individual e de seus familiares. Infelizmente, a maioria dos profissionais de saúde em nosso país, dentre eles os Farmacêuticos, deixam as Universidades e Faculdades de Farmácia sem conhecimento sobre essa temática, por isso é preciso mudar esse cenário, trazendo uma educação continuada de qualidade no intuito de multiplicar o número de profissionais com conhecimento na terapia canabinoide. Isso possibilitará uma assistência à sociedade de forma adequada, elaborando programas e protocolos de atendimento baseados em boas práticas clínicas.

Quadro1. Presença do SEC no Sistema nervoso central de animais vertebrados. Fonte: DONATO, MF (2022). Adaptado de: HOWLETT, et. al., 1990; PIRONE, et. al., 2016;
STANZANI, et. al., 2020).

O SEC na Pós-graduação e Cursos de IES

Grande parte dos cursos de formação em Cannabis sp. e o SEC são ofertados em cursos de pós-graduações das universidades brasileiras.

O curso de extensão em Cannabis Medicinal promovido pela UNIFESP em parceria com a CEBRID (https://caec.diadema.unifesp.br/eventos/vii-curso-de-cannabis-medicinal) é ofertado por meio da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PROEC). Este é um dos pioneiros no Brasil, e teve seu início nos salões da Paróquia São Francisco de Assis (Zona Leste de SP), igreja do Padre Ticão (in memoriam) por meio de uma parceria entre a UNIFESP, CEBRID e do Dr. Elisaldo Carlini (in memoriam), além de vários ativistas e coletivos. Hoje é o curso mais popular no Brasil sendo uma importante referência para estudantes, acadêmicos, familiares de pacientes, médicos e diferentes profissionais que trabalham ou buscam acesso aos produtos de Cannabis medicinal. A partir da terceira edição, o curso passou a ter o formato online e já orientou milhares de inscritos. Na sua estrutura curricular, está dividido em cinco eixos de conhecimento, sendo o:

Eixo 1 referente à contextualização histórica e cultural da Cannabis sp.; Eixo 2, aos aspectos biológico da planta, tais como a fitoterapia, anatomia, botânica; Eixo 3, relacionado às patologias específicas passivas de tratamento com a Cannabis medicinal; Eixo 4, compreende o aspecto prático, abordando a formação de associação, extração e plantio; Eixo 5, relacionado ao âmbito legal, ou seja, aos aspectos do direito para pacientes e associações e mecanismos políticos para a busca de direitos. Como objetivos principais do curso estão a difusão do conhecimento sobre a planta Cannabis; a apresentação dos possíveis medicamentos e tratamentos e seus derivados; a reflexão crítica sobre a liberação da Cannabis para uso terapêutico e regulamentação.

Como exemplos de disciplinas ofertadas em cursos de pós-graduação stricto sensu, há na UNILA uma disciplina optativa específica sobre o SEC e Cannabis ofertada no Programa de Pós-graduação em Biociências para o curso de Mestrado (https://portal.unila.edu.br/mestrado/biociencias), intitulada “Canabinologia Médica”.

• EMENTA: Uso histórico e tradicional da Cannabis; História da rota científica do Sistema endocanabinoide; A Cannabis dentro da Guerra às Drogas, proibição e regularização da Cannabis; Química da Cannabis; Receptores canabinoides e enzimas do SEC; Neurotransmissores que afetam o SEC; Canabinoides endógenos; Canabinoides como ferramentas terapêuticas, ações e potenciais dos canabinoides como tratamentos da dor, Doença de Parkinson, epilepsia, depressão, Doença de Alzheimer, câncer, distúrbios gastrintestinais e outros.

• OBJETIVO: Capacitar pesquisadores, tais como os alunos de mestrado e doutorado, a explorarem o SEC e suas possibilidades de intervenção e modulação para pesquisa, seja pesquisa não-clínica ou clínica.

• CARGA HORÁRIA: 45 (quarenta e cinco) horas-aula. Créditos: 03 (três).

Já na UFPB, o Programa de Pós-graduação em Produtos Naturais e Sintéticos Bioativos (PGPNSB (https://sigaa.ufpb.br/sigaa/public/programa/portal.jsf?id=1882), vinculado ao Centro de Ciências da Saúde – CCS ofertou a disciplina optativa denominada de “Farmacologia Básica e Clínica do Sistema Endocanabinoide”, para os alunos de Mestrado e Doutorado da subárea Farmacologia.

• EMENTA: Farmacologia Básica do Sistema endocanabinoide: receptores, enzimas e transportadores; Fitocanabinoides; Farmacologia Clínica do SEC: Distúrbios Neurológicos e Doenças Neurodegenerativas; Doenças Inflamatórias e Autoimunes; Dor e Nocicepção; Doenças Cardiovasculares e Metabólicas; Distúrbios Neuropsiquiátricos; Câncer.

• OBJETIVO GERAL: Compreensão e visão geral das bases farmacológicas do sistema endocanabinoide e suas aplicações clínicas em processos fisiológicos correlacionados a algumas patologias clínicas.

• OBJETIVOS ESPECÍFICOS: Conhecer os componentes do Sistema endocanabinoide e o funcionamento das vias de síntese, degradação, metabolismo, transporte e sinalização celular; Estudar a participação do sistema endocanabinoide nos processos relacionados à homeostasia neuronal, imune, metabólica e cardiovascular; Conhecer sobre os principais fitocanabinoides, seus principais mecanismos de ação e aplicações terapêuticas; Compreender o uso dos fitocanabinoides em algumas fisiopatologias neurológicas, inflamatórias, nociceptivas, neuropsiquiátricas, cardiovasculares, metabólicas e no câncer.

• HABILIDADES E COMPETÊNCIAS: Reconhecimento e distinção dos endocanabinoides e fitocanabinoides; Aprendizagem da farmacologia básica do sistema endocanabinoide; Conhecimento da farmacologia clínica relacionada ao sistema endocanabinoide; Aplicabilidade dos principais fitocanabinoides na terapêutica.

• CARGA HORÁRIA: 30 (trinta) horas-aula. Créditos: 02 (dois).

• AVALIAÇÃO-APRENDIZAGEM: Seminário sobre o estado da arte dos temas específicos; Participação individual nas discussões; Seminário de artigos científicos da literatura atual (últimos dois anos).

EDUCAÇÃO EM CANNABIS PARA FARMACÊUTICOS E A INTERAÇÃO ENTRE PROFISSIONAIS DE SAÚDE COM VISÃO INTEGRATIVA E MULTIPROFISSIONAL

Como pode ou como deverá ser a educação farmacêutica em terapia canabinoide vinculada ao cuidado do paciente, integrado e multiprofissional?

Considerações sobre o momento regulatório no Brasil

O uso da Cannabis e seus fitocanabinoides com finalidade terapêutica já é uma realidade na terapia Farmacológica atual e os Farmacêuticos precisam estar capacitados para entenderem o funcionamento da planta e aplicá-lo no mercado de trabalho, juntamente com outros profissionais de saúde, na atenção primária, por exemplo. Entretanto, para introduzir a Cannabis e seus canabinóides com um protocolo de tratamento na atenção primária, em outros níveis de atenção à saúde e no Sistema Único de Saúde – SUS é preciso que haja uma mudança na Legislação do nosso país, começando pela retirada da Cannabis da Lista “F” de plantas proscritas da Portaria 344 da Agência de Vigilância Sanitária (ANVISA). Essa temática vem avançando através do reconhecimento do potencial terapêutico da planta e criação de Resoluções que visam um maior acesso da população a essa terapia, envolvendo medicamentos à base de Cannabis sp. A Legislação Brasileira também vem avançando nessa temática com o PL 399/2015, que está tramitando no Congresso Nacional, e caso seja aprovado será um marco regulatório importante para toda a sociedade brasileira.

Ocorrendo essa mudança na Legislação Brasileira com o PL 399/2015, a Cannabis poderá fazer parte do rol de plantas medicinais e ser incorporada ao Programa das Farmácias-Vivas do SUS. Ademais, mais medicamentos serão vendidos nas farmácias. Até maio de 2022 já foram aprovados pela ANVISA 18 (dezoito) apresentações de produtos de Cannabis, conforme dispõe a RDC 327/2019, sendo que cinco já estão sendo comercializados nas farmácias e drogarias. Dentre os produtos, oito são à base de extratos de Cannabis sativa e dez do fitofármaco canabidiol.

Com a aprovação do PL 399/2015 haverá um aumento também nas prescrições de produtos à base de Cannabis pelas farmácias de manipulação (o projeto de lei prevê a participação deste setor, devido à relevância pela característica de terapia personalizada), além de outras áreas de atuação do Farmacêutico, já emancipadas pela RDC 327/2019. Portanto, é fundamental que os profissionais compreendam que a terapêutica canabinoide é individualizada para cada paciente, o que a torna diferente da terapia realizada com os medicamentos clássicos.

O papel do Farmacêutico Clínico

A educação formal é determinante para dar o alicerce do conhecimento científico à atividade profissional no campo da Cannabis medicinal. Um exemplo disso envolve a diferença observada na relação da dose administrada dos fitocanabinoides. Muitas pesquisas publicadas destacam que os canabinoides apresentam melhor eficácia terapêutica quando são utilizados os extratos da planta administrados em doses menores do que em doses maiores. Doses maiores podem levar à perda do efeito desejado ou ainda promover um efeito inverso por ativarem diferentes alvos farmacológicos, não apenas os receptores CB1 e CB2. Esse fenômeno é caracterizado como curva em “U” invertido (figura 2) .

Figura 2. Efeito dos fitocanabinoides na curva em “U” invertido. Doses maiores podem ativar diferentes alvos farmacológicos e promover o efeito inverso. Baseado em: SCHIER, A.R.M. et. al.,2012.

O Farmacêutico Clínico exerce um papel de valor preponderante na terapia canabinoide, pelo fato do paciente precisar ser monitorado para haver adesão ao tratamento. Ou seja, além da dispensação, que é a entrega orientada do produto de Cannabis para uso do paciente, é um ato privativo do farmacêutico, que confere a jornada do paciente.

A atividade clínica dos farmacêuticos ao paciente em tratamento com derivados de Cannabis envolve o cuidado para o uso racional dos fitocanabinoides. Sua intervenção requer desde a conciliação da farmacoterapia pregressa do paciente com a prescrição destes derivados, às recomendações de ajustes posológicos, intervenções farmacêuticas necessárias para segurança do paciente e sucesso terapêutico.

Atualmente, em torno de 70% dos farmacêuticos brasileiros atuam na área de assistência de forma operacional ou gerencial. Logo, o contato com o paciente é eminente requerendo uma formação consistente em torno do conhecimento da funcionalidade do SEC, sua farmacologia e peculiaridades desta ciência como efeitos adversos, titulação de doses, biossíntese e metabolismo dos canabinoides e rotas metabólicas. As recomendações de pesquisa e padronização de protocolos de dispensação devem ser consideradas no momento atual do conhecimento científico e regulatório deste tema no Brasil.

A necessidade de integração e interação profissional se torna essencial na área da Cannabis medicinal e o SEC. Além dos ajustes de doses, a expressão do SEC é muito individual em relação ao cuidado com o paciente, requerendo acompanhamentos ou encaminhamentos a partir da avaliação dos pacientes. Como exemplo, pode-se citar o paciente portador de transtorno do espectro autista (TEA), que além de conciliações farmacoterapêuticas e ajustes de posologia pode necessitar de suporte nutricional, fonoaudiológico e psicológico (que pode envolver também a família). Além da atividade farmacêutica com a farmacogenômica, que pode ajudar no diagnóstico e individualização do tratamento.

Desta forma, a educação em Cannabis deve ser continuada e de maneira interdisciplinar, multidisciplinar e transdisciplinar, uma vez que é preponderante para estudos de caso e entrosamento da assistência com equipes de saúde, que possam assistir às necessidades do SEC de modo personalizado.

EDUCANDO O PACIENTE EM USO DE CANNABIS MEDICINAL E PREVENÇÃO DE SÍNDROMES DO SEC

O cuidado ao paciente pela prevenção de Síndromes do SEC, seja no SUS ou Clínicas privadas
“Educação em saúde com Cannabis: educação continuada em atenção primária”.

Estima-se que mais de 14 milhões de brasileiros precisam ou precisarão de tratamento com farmacoterapia da Cannabis por serem acometidos por Síndromes do SEC.

O sistema endocanabinoide é uma importante rede moduladora cerebral e da homeostase, temperatura corpórea, regulação metabólica e do sono, memória, aprendizagem, dentre outras funções. Logo, um desequilíbrio no SEC pode acarretar em transtornos de humor (ansiedade, hiperatividade, psicose e depressão), levar ao abuso de drogas, gerar impactos neurodegenerativos (Doença de Alzheimer, Parkinson, Huntington, Esclerose Múltipla e Esclerose Lateral Amiotrófica), além de transtornos do neurodesenvolvimento (transtorno do espectro autista). Dessa forma, é fundamental a manutenção das taxas de endocanabinoides no corpo, o bom funcionamento da função das enzimas e receptores do SEC. Portanto, é necessário políticas públicas de prevenção das síndromes do SEC a partir da promoção à saúde vinculadas às mudanças no estilo de vida do indivíduo, uma vez que o SEC está envolvido em desordens como dor, inflamação, disfunções metabólicas e cardiovasculares, respostas imunológicas, autoimunes, câncer.

E como propor essa plenitude aos pacientes?

Como dito anteriormente, a mudança para um estilo de vida saudável é essencial para manter o SEC em bom funcionamento. Sabe-se que as taxas do SEC no organismo podem ser estabelecidas com uma dieta equilibrada em componentes nutricionais, ou seja, macro e micronutrientes (fibras, carboidratos, proteinas, vitaminas, gorduras saudáveis), que são fundamentais para o correto desenvolvimento e maturação do SNC, uma vez que possibilita alterações estruturais e sinais metabólicos específicos em condições homeostáticas ou patológicas. É importante ressaltar que o SEC é um elo de ligação entre os lipídios da dieta e a atividade sináptica, e está envolvido em vários mecanismos relacionados ao desenvolvimento e neuroplasticidade. Em complemento, uma boa qualidade de sono, equilíbrio emocional e a prática de atividade física auxiliam no reestabelecimento corpóreo do funcionamento do SEC.

As PICS (Práticas Integrativas Complementares em Saúde) podem ser utilizadas como estratégia de atenção primária no SUS ou ambulatórios privados, e até academias públicas ao ar livre para atividades físicas. Ademais, alguns artigos científicos já apontam o uso das PICS para obtenção do equilíbrio do SEC, usando práticas de meditação e respiração.

O profissional de saúde que atua ou deseja atuar na medicina canabinoide necessita de ter essa visão holística e integrativa, e para haver esse perfil de cuidado é necessário um preparo desses profissionais de saúde para essa modelagem, e assim mitigar desgastes no sistema de saúde.

Atuar na prevenção de patologias associadas ao SEC é determinante para manter uma população saudável, já que esse sistema é regenerativo e faz a modulação da homeostase. A ampla distribuição de seus receptores remete a possibilidades de se investir na criação de metodologias de dosagem de endocanabinoides, bem como de quantificação dos seus receptores para exames diagnósticos, por exemplo, sendo necessários estudos para a viabilização de métodos e processos.

No cenário atual, o volume de profissionais que se graduam em saúde por ano é elevado, e só na área de farmácia são em torno de 4.500 profissionais! Somados aos profissionais já graduados ativos no mercado, pode-se predizer que há uma grande demanda de capacitação profissional que remeta às necessidades da população brasileira para essa visão integrativa da saúde.

A incorporação da educação em terapia canabinoide deve ser uma estratégia de saúde pública para o SUS, ao se observar os indicadores de saúde e prevalência das principais patologias com evidências de uso de canabinoides, além da política de atenção primária a ser protocolado com foco no SEC. O que deve determinar uma conjugação de ações entre sistema de saúde e as universidades.

A área de assistência privada também deve ter celeridade em se adequar a essa nova prática médica, seja por ordenação de conselhos profissionais e adequação da cobertura de assistência suplementar de saúde, através dos relatórios e notificações necessários a partir de plausibilidade científica, afinal, vários pacientes já fazem uso da Cannabis medicinal, grande parte com os produtos fornecidos pelas associações de pacientes ou importados. Estamos num momento que podemos antecipar os produtos e empresas e promover a atenção primária através da cobertura suplementar do SEC. É preciso haver as recomendações fundamentais e para tal, a formação de pessoal se faz essencial.

INFORMAR PARA EDUCAR

A desinformação e a contrainformação sobre o uso da Cannabis medicinal, principalmente nas mídias digitais são problemas enfrentados no cotidiano que dificultam o acesso à informação e tratamento por parte da população que precisa de assistência à saúde para patologias não responsivas às terapêuticas convencionais. Além de desencorajar os profissionais de saúde a buscarem formação e capacitação nessa área. Cabe a cada profissional já capacitado combater essa prática fazendo uso de embasamento técnico-científico e propagando a informação correta.

Outra vertente importante do uso da Cannabis medicinal compreende o seu uso no esporte. Atletas de alta performance de diferentes modalidades esportivas já usam o CBD para auxiliar na recuperação do desgaste físico e prevenção de dores e lesões após os treinos e campeonatos. Isso devido às propriedades farmacológicas antiinflamatória, antioxidante e analgésica desse canabinoide, quer seja de origem sintética ou fitoquímica.

Em contraponto, a educação em Cannabis não se restringe apenas ao seu uso medicinal. Novas perspectivas de sustentabilidade e econegócios circundam esse universo, tais como o uso do cânhamo na indústria têxtil da moda, na construção civil para construção de casas, em sistemas de drenagem e recuperação de áreas poluídas e solo, na substituição de plásticos, produção de biocombustível, produção de cosméticos e nutracêuticos, bebidas, etc., tudo isso faz da Cannabis um mercado atrativo para investimentos e educação financeira (figura 3).

Figura 3. Cannabis, new generation. Novos horizontes para investir no universo da Cannabis associada aos campos de atuação profissional. (a )em países com liberação do uso recreacional. Fonte: DONATO, MF, 2022. Baseado em publicações científicas e artigos de divulgação.

Outro campo atrativo está associado ao agronegócio, com o aprimoramento genético de sementes e cultivares para a produção de fibras, plantas com alta concentração de fitocanabinoides, terpenos e flavonoides, além de exploração da planta para seu uso como PANC (Planta alimentícia não convencional) na produção de produtos vegetarianos e veganos. Esse ramo também requer educação e formação específicas.

Nessas perspectivas citadas, iremos apresentar alguns caminhos e possibilidades para você, Leitor, que caso se interesse possa mergulhar mais fundo nesse universo. Eis aqui a ponta do iceberg para ser explorado!

Promoção da saúde: informação ao público sobre o uso de produtos da Cannabis medicinal, seus fitoprodutos e cuidados com o SEC
A educação em saúde deve fazer parte da estratégia do Ministério da Saúde. Atualmente, já se discute sobre o tratamento de patologias com os derivados da Cannabis sp., porém pouco se conversa sobre a importância e presença do SEC no corpo humano para o funcionamento homeostático dele. Informar a população para que se reduza danos, diminua o preconceito de adesão ao tratamento com a Cannabis medicinal, e se conheça sobre a importância da estimulação do SEC, principalmente durante o envelhecimento é uma forma de alertar à comunidade na prevenção de possíveis patologias que surgem ao longo da vida, como as doenças cardíacas, obesidade, doenças neurodegenerativas, diabetes, câncer, dentre outras.

Algumas ferramentas educativas podem ser utilizadas para a disseminação da informação, tais como projetos de extensão, campanhas educativas com a integração da Secretaria de Saúde Municipal e Estadual, Secretaria do Meio Ambiente, na produção de cartilhas informativas que circulem nas Unidades Básicas de Saúde (UBS). Também podem ser realizadas palestras em escolas, podcasts em mídias sociais governamentais, rodas de conversa em clínicas privadas, informações em plataformas digitais com cursos rápidos de capacitação. Estas são maneiras de dar celeridade ao processo educacional.

É possível colocar em evidência esse modelo de cuidado ao SEC e à educação comunitária informando sobre a Cannabis medicinal.

O SEC na Terceira Idade e os benefícios da Cannabis

Evidências científicas revelam a importância do SEC no processo de envelhecimento. Elas destacam a necessidade de estimular esse sistema, responsável pela manutenção do equilíbrio do corpo ao longo da vida.

Pesquisas não clínicas em animais e clínicas mostram que o SEC sofre alterações dependentes da idade (RUSSO, 2018). O receptor CB1, componente do SEC, em animais (ratos) permanece alto no início da puberdade, se mantém na fase adulta e sofre declínio significativo no cérebro de ratos mais velhos. Estudos em humanos também mostraram que os níveis de receptores CB1 são muito mais altos nos indivíduos mais jovens em comparação com indivíduos mais velhos (GLASS; DRAGUNOW; FAULL, 1997). A produção dos canabinoides endógenos também sofre alterações e diminuição ao longo dos anos, sendo significativa na terceira idade.

Vários estudos em humanos vêm apontando que o SEC apresenta uma função essencial na regulação do ciclo claro-escuro (circadiano) como um todo, das alterações hormonais, na temperatura do corpo, sono, da aprendizagem e memória. Com o envelhecimento somado ao declínio do SEC, todos esses mecanismos podem ficar alterados, desencadeando doenças neurológicas e psiquiátricas (ABEL, 1970; BARRATT&ADAMS, 1973; CARLINI et. al., 1970).

Uma informação no mínimo curiosa é que os idosos estão procurando cada vez mais a Cannabis! Nos EUA, o número de indivíduos acima de 65 anos que disseram usar Cannabis aumentou em 250%, de 2006 a 2013 (HAN et. al., 2016).

O uso da Cannabis medicinal na terceira idade traz a possibilidade de regulação do SEC, protegendo a memória, processos inflamatórios e metabólicos, com o uso do CBD, por exemplo, associado ao THC em Microdoses (RUVER‑MARTINS, et. al., 2022)  garantindo neuroproteção. No futuro, o uso de suplementos nutricionais a base de extrato da Cannabis sp. também será uma alternativa interessante para suprir a necessidade fisiológica de estímulo do SEC e garantir uma melhor qualidade de vida.

Cannabis no Esporte

No Brasil, alguns atletas de alto desempenho, praticantes de algumas modalidades esportivas como o surf, artes marciais, natação, além dos atletas paraolímpicos, dentre outros, vem aderindo à terapêutica canabinoide, a base de CBD, para auxiliar no tratamento de dores ocasionadas por lesões. Muitos deles relatam eficácia e segurança, garantindo uma recuperação mais rápida.

Um trabalho de revisão da literatura científica (MAURER, et. al., 2020) revelou que existem limitados estudos clínicos de alta qualidade (duplo-cego, randomizado e controlado por placebo) para o uso de canabinoides na dor aguda, dor crônica ou concussão, e que não inclui a população atlética. Nesses não foi observado efeito imediato da terapia com canabinoides para dor aguda. Já para o tratamento da dor crônica, há evidências mais robustas em que apresentam eficácia moderada no tratamento de algumas condições de dor crônica, incluindo neuropática, musculoesquelética, inflamatória e central, levando à redução da dor e melhora da qualidade de vida, com efeitos adversos limitados, e para concussão há indícios de possível efeito neuroprotetor.

Esses estudos evidenciam o uso promissor do CBD no esporte devido às propriedades analgésica e anti-inflamatória, além da melhoria da qualidade do sono, ansiedade e estresse dos atletas (MacCartney, et. al., 2020). Como o CBD é um fitocanabinoide psicoativo e não-psicotrópico, não promove alterações de percepção e mentais, logo foi retirado da lista de substâncias proibidas no exame antidoping pela WADA (Agência Internacional Antidoping) desde 2018. 

Mais estudos clínicos duplo-cego, randomizado e controlado por placebo, com atletas de diferentes modalidades merecem a atenção da comunidade científica em parceria com a comunidade atlética, além de investimento pelas empresas e financiamento para que haja comprovações científicas mais robustas da eficácia, segurança e ausência de riscos no esporte.

Educação e Negócios: Cannabusiness, um mercado promissor

Muitas empresas estão faturando milhões no mercado promissor da Cannabis.

A empresa USA Hemp, de empresários brasileiros e com sede em Oregon, bateu recorde de vendas de mais de US$ 25 milhões desde 2015, com produtos que variam de medicamentos, cosméticos, cigarros e produtos de higiene pessoal. Mesmo assim, segundo matéria da revista Forbes (https://forbes.com.br/forbesagro/2022/01/brasileiros-revolucionam-o-mercadode-cannabis-nos-eua/) não para por ai! Esta pretende instalar no Brasil primeiro laboratório de extração de cânhamo da América Latina com o uso de gás carbônico (extração supercrítica), com alta tecnologia e seguindo as boas práticas de fabricação (BPFs), de acordo com as diretrizes da ANVISA. A estimativa é que seja investido cerca de US$ 15 milhões e sejam gerados ao menos 300 empregos na área. A empresa também realiza parcerias com as universidades públicas e privadas no Brasil para o desenvolvimento de pesquisas, cursos e simpósios voltados para os tratamentos medicinais com Cannabis

Na indústria têxtil, o cânhamo vem ganhando espaço num mercado consumidor preocupado com a sustentabilidade e redução de danos ambientais. Isso porque a produção têxtil com a fibra do cânhamo necessita de uma menor quantidade de água comparada as fibras de algodão na produção de uma peça de roupa, além de que, a fibra apresentar uma resistência à tração três vezes maior do que o algodão.

Algumas indústrias da moda representadas por grifes como Adidas (pioneira desde os anos 90), Osklen, Reserva e Vans investem no cânhamo em fabricações de tecidos com propostas diferentes, de sustentabilidade. A entrada da matéria-prima no país é legalmente permitida, todavia, alguns fatores como o câmbio, a logística e disponibilidade dificultam a ampla utilização pela indústria da moda. Os países próximos que legalizaram o seu cultivo, como o Paraguai, EUA e Canadá produzem em baixa escala devido à competição de mercado com as experts China e Índia, o que inviabiliza a grande produção (https://www.smokebuddies.com.br/canhamo-textil-funcionalidade-proposito/). A legalização brasileira para plantio de cânhamo, bem como a parceria com os países vizinhos facilitaria o acesso da matéria-prima, diminuindo os custos e aumentando o investimento nesse segmento industrial, além de possibilitar novos nichos profissionais com geração de novos empregos.

Na indústria civil, o hempcrete (concreto de cânhamo, em inglês é um material sustentável, de fácil de fabricação, econômico, resistente a fungos e pragas, impermeável, à prova de fogo, seguro em caso de terremotos, com regulamentação térmica, e controle de umidade essas qualidades, diferente do concreto à base de cimento tão utilizado em território brasileiro. Sendo produzido a partir da mistura de cal, água e a parte interna do caule da planta (as lascas de cânhamo). (https://kayamind.com/canhamo-na-construcao-civil/), as vantagens desse produto vão desde o custo mais baixo, como alternativa eficiente para produção de pisos, isolamentos em telhados, melhoria o desempenho térmico de edifícios.

Por outro lado, o investimento em novos cursos de educação formal como pós-graduação e especialização, em países como Espanha também acabam sendo extremamente promissores, uma vez que o mercado está em fase de expansão, logo a busca por formação nessa área também vem crescendo. Em Barcelona, a Universidade Politécnicada Catalunha (UPC School, (https://www.upc.edu/ca), ofertou o curso de pós-graduação em “Tecnologias de Produção e Transformação de Cannabis”, que tem como enfoque uma formação ampla no segmento industrial.

No Brasil, o levantamento da empresa de inteligência do mercado de Cannabis – KayaMind, mostrou que a regulamentação da Cannabis no país poderia gerar 117 mil empregos e movimentar R$ 26,1 bilhões em quatro anos (https://kayamind.com/relatorio-impacto-economico-dacannabis/?ref=smokebuddies).

Seguindo esse caminho, vários simpatizantes e consumidores apostam na busca de cursos de especialização em Cannabis como estratégia para se posicionar no mercado, tendo em vista que a Cannabis para fins industrial e medicinal em algum momento será totalmente regulamentada no país, necessitando de profissionais prontos para atuarem nesse segmento.

Considerações Finais

Desde 1996, com a legalização da Cannabis medicinal no estado da Califórnia/ USA houve um aumento crescente pelo interesse na pesquisa e desenvolvimento de medicamentos canabinoides, sendo que nos últimos anos vêm surgindo com bastante intensidade.

Porém, este mercado possui dois gargalos importantes: o primeiro é o número reduzido de médicos brasileiros que prescrevem estes produtos, o que ainda dificulta em partes a expansão do mercado e o acesso dos pacientes a estas terapias, o que torna evidente a necessidade de capacitação dos nossos futuros médicos, farmacêuticos, enfermeiros e demais profissionais da saúde a conhecer a fisiologia e farmacologia do SEC, assim como os produtos canabinoides podem ser ferramentas úteis na prevenção e promoção da saúde. Por outro lado, uma das causas do baixo número brasileiro de prescritores seguramente é a ausência de estudos, principalmente clínicos, que demonstrem de forma inequívoca a eficácia e segurança destes fármacos em doenças específicas. Sendo assim, mais pesquisadores são necessários como também mais médicos que conheçam e entendam sobre canabinoides.

Neste momento, embora a legislação brasileira seja restritiva e ainda dificulte o acesso do paciente a este produto, por outro lado, esta legislação dá segurança para empresas investirem em pesquisas de seus produtos medicinais, pois terão proteção as suas marcas, em virtude da não possibilidade de venda de canabinoides no Brasil como suplementos, diferentemente do que ocorre nos EUA, por exemplo, onde especialmente o CBD possui uma regulação como suplemento alimentar

Assim, o Brasil necessita investir na formação de pesquisadores em Cannabis medicinal e industrial, explorando diferentes áreas biomédicas, mas também na agronomia, biologia, biotecnologia e outras áreas correlatas. Para isso, o ensino formal em cursos de Graduação ou Pós-graduação é imprescindível para o desenvolvimento de profissionais capacitados e qualificados para pesquisa e desenvolvimento de produtos canabinoides.

Diante de tudo que foi abordado nesse capítulo, fica clara a importância do papel do Farmacêutico e demais profissionais de saúde nesse contexto da terapia canábica e a necessidade da Educação em Cannabis no nosso país, seja na base acadêmica através da criação de disciplinas com esse tema nos Cursos de Graduação ou pós graduação em Saúde, das Instituições de Ensino Superior (IES), nas Universidades Brasileiras, especialmente com inclinação à pesquisa nas IES públicas e a inserção de profissionais de saúde capacitados na terapia canabinóide para assistir a população de forma continuada.

REFERÊNCIAS

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SOBRE OS AUTORES E REVISORES:

Micheline Freire Donato.

Bióloga, licenciada e bacharel pela Universidade Federal da Paraíba. Mestra em Produtos Naturais e Sintéticos Bioativos – Farmacologia, pelo Programa de Pósgraduação em Produtos Naturais e Sintéticos Bioativos – UFPB. Doutora em Ciências – Fisiologia, pelo Programa de Pós-graduação em Fisiologia e Farmacologia – UFMG. Pós-doutora em Drug Discovery pela School of Life Science/ Queens Medical Centre, na University of Nottingham-UK, com foco em farmacologia de produtos canabinoides sintéticos. Atualmente é Pós-doutoranda em Pesquisa Clínica em Cannabis Medicinal pelo Programa de Pòs-graduação em Biociências – UNILA, em parceria com a UFSC. Atua como subcoordenadora de projetos de pesquisa clínica com Cannabis medicinal e Medicina Psicodélica. É proprietária da empresa MedCannabis Consultoria & Cursos (www.portalmedcannabis.com.br) e Membro da Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis – SBEC.

Francisney Pinto do Nascimento

Farmacêutico, Professor Adjunto de Farmacologia Clínica do curso de Medicina e do Mestrado em Biociências, ambos na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). Bacharel em Farmácia pela UFSC; Mestre e Doutor em Farmacologia pela UFSC e Pós-doutorado no The Alan Edwards Centre for Research on Pain da Universidade McGill, Montreal, Canadá. Atualmente é Coordenador do Laboratório de Cannabis Medicinal e Ciência Psicodélica (www.labneurofarmaco.com), Faculdade de Medicina, UNILA. Membro da International Association for the Study of Pain (IASP) e da Sociedade Brasileira de Farmacologia e Terapêutica Experimental (SBFTE) e da Sociedade Brasileira para Estudos da Cannabis (SBEC).

Katy Lísias Gondim Dias de Albuquerque

Farmacêutica, Chefe da Disciplina de Farmacologia e da disciplina Sistema Endocanabinoide e Perspectivas Terapêuticas da Cannabis Sativa L e seus derivados. Professora Associada da Universidade Federal da Paraíba. Possui graduação em Farmácia pela Universidade Federal da Paraíba (2000), Mestrado (2002) e Doutorado (2006) em Farmacologia de Produtos Naturais e Sintéticos Bioativos pela Universidade Federal da Paraíba em colaboração com Universidade de São Paulo (USP- Ribeirão Preto). É Fundadora e Coordenadora do PEXCANNABIS (Pesquisa e Extensão em Cannabis Medicinal da UFPB). É Professora convidada do Programa de Pós-Graduação em Neurociência Cognitiva e Comportamento da Universidade Federal da Paraíba. Fundadora e Membro da Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis – SBEC. Possui experiência na área de Atenção Farmacêutica, Farmácia Clínica e Acompanhamento Farmacoterapêutico. Vem atuando na Pesquisa clínica com produtos à base de Cannabis sativa em diferentes doenças: Epilepsia Refratária, Transtorno do Espectro Autista (TEA), Epidermólise Bolhosa (EB) e na área da Odontologia, além de Coordenar vários projetos de Extensão com a temática da Cannabis Medicinal.

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